Em dias que deveriam ser marcados pela celebração do futebol internacional, a Copa do Mundo de Clubes viu-se atravessada por eventos que estão se tornando cada vez mais comum: o adiamento ou a interrupção de uma partida devido a um evento climático extremo. Relâmpagos cortando os céus, ventos fortes ameaçando as estruturas do estádio, chuvas torrenciais suspendendo a visibilidade do gramado.
Os jogos de Palmeiras vs. Al Ahly, Ulsan HD vs. Mamelodi Sundowns, Pachuca vs. RB Salzburg, Benfica vs. Auckland City, e Chelsea vs. Benfica foram os que, até o momento, sofreram com tais situações climáticas em sua condução. Mas, não se engane, não se trata de incidentes isolados, mas de um símbolo de uma tendência global. O futebol, como manifestação cultural e econômica de alcance planetário, está se tornando um espelho da crise climática que atravessa nosso tempo.
As paralisações em jogos por causa do clima, ainda que frequentemente tratadas como eventos pontuais, têm se tornado cada vez mais frequentes. A Federação Internacional de Futebol (Fifa) e confederações nacionais já contabilizam dezenas de partidas afetadas por calor extremo, tempestades ou baixa qualidade do ar nos últimos cinco anos. Em 2023, a própria União das Associações Europeias de Futebol (Uefa) relatou que vários jogos da fase preliminar de suas competições tiveram de ser remanejados devido a incêndios florestais na região do Mediterrâneo.
No caso da Copa do Mundo de Clubes, os prejuízos não são apenas logísticos. A interrupção de uma partida implica em perdas com transmissão, adiamentos em calendários já apertados e custos adicionais de segurança e remanejamento de público. Em países com infraestrutura vulnerável, o risco é ainda maior. Mas o futebol, nesse contexto, é também uma lente que amplia os impactos sociais de um planeta em superaquecimento.
Estados Unidos: o epicentro das perdas bilionárias por eventos extremos
Os Estados Unidos representam um dos territórios mais impactados por eventos climáticos extremos nos últimos anos. Segundo dados da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), apenas em 2023, o país contabilizou 28 desastres com prejuízos superiores a US$ 1 bilhão cada. Foi o maior número desde o início do monitoramento em 1980.
Esses eventos incluem furacões, secas históricas, tempestades de inverno intensas e ondas de calor que bateram recordes em cidades como Phoenix e Houston. As perdas totais superaram US$ 92 bilhões, afetando diretamente milhões de pessoas e paralisando atividades econômicas inteiras, do agronegócio ao setor de serviços.
Um exemplo simbólico ocorreu em junho de 2023, quando uma densa nuvem de fumaça vinda de incêndios no Canadá encobriu o nordeste dos EUA. Jogos da Major League Baseball e eventos de atletismo foram cancelados em Nova York devido à qualidade do ar atingir níveis perigosos ou críticos. A liga de futebol também precisou remanejar partidas. Em paralelo, escolas suspenderam atividades e trabalhadores foram dispensados, revelando uma cadeia de impactos que ultrapassa o universo esportivo.
O custo da inação: quando o entretenimento denuncia o colapso
O futebol, como produto midiático e cultural, traduz de maneira visual e direta a gravidade da crise climática. Se o jogo é paralisado por causa do calor, é porque o corpo humano não suporta – e na Copa do Mundo de Clubes isto tem sido uma regra, com as paradas para reidratação, que ocorrem em ambos os tempos dos jogos. Se os estádios inundam, é porque o sistema urbano está despreparado. E se o ar impede atletas de correr, é porque há algo errado com o modo como lidamos com o planeta.
Essa visualidade tem um enorme potencial político. Em tempos de negacionismo climático, como os produzidos por Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, o futebol oferece um tipo de prova irrefutável do colapso. É um momento em que o mundo assiste, ao vivo, a força das mudanças climáticas interrompendo um dos eventos mais planejados e celebrados do planeta.
Além disso, a cadeia produtiva do futebol também passa a ser afetada: clubes enfrentam gastos com reestruturação de centros de treinamento, viagens adiadas ou canceladas, atletas adoecidos por calor ou má qualidade do ar. A exposição de trabalhadores, inclusive torcedores, às condições climáticas severas é um dado social que precisa entrar na agenda de gestão do esporte.
No Brasil, clubes como Grêmio e Internacional viram seus estádios de futebol ficarem submersos com a enchente histórica que afetou o Rio Grande do Sul em maio de 2024, afetando não apenas as estruturas desses espaços e de seus trabalhadores, mas também a dinâmica de participação desses clubes em competições nacionais e regionais, levando-os a terem que adiar muitos jogos e, depois, a se tornarem “times itinerantes”, tendo que fazer seus “jogos em casa” em diferentes estádios do país.
Apesar de serem situações extremas as quais passaram Grêmio e Internacional, elas são parte dos impactos que as mudanças climáticas podem causar em um jogo ou na estrutura completa de um clube, e que não podem ser desconsideradas, seja pelos agentes envolvidos no “negócio” do futebol, seja pela sociedade e os países que precisam lidar com isso em suas rotinas de vida e de gestão das políticas públicas e dos negócios.
O futebol, por sua força simbólica e seu alcance global, pode e deve ser um aliado na comunicação sobre a crise climática. A interrupção de jogos deve servir como alerta, como narrativa pedagógica sobre os limites da vida em um planeta superaquecido.
As ligas, os clubes, as entidades esportivas e os patrocinadores também têm responsabilidade. É hora de pensar em calendários mais sustentáveis, em infraestrutura adaptada, em protocolos para emergências climáticas, e, sobretudo, em engajamento com o debate político sobre clima e sustentabilidade.
Nesse sentido, a COP30, que ocorrerá em Belém, no Pará, em novembro de 2025, será uma oportunidade histórica de alinhar diplomacia, economia, cultura e cidadania em torno da maior questão do nosso tempo. E, quem sabe, o futebol possa inspirar o jogo decisivo que precisamos vencer: o da sobrevivência em um planeta habitável para as próximas gerações.
*Assis da Costa Oliveira é professor da Universidade de Brasília (UnB), vinculado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares com atuação no Núcleo de Estudos da Infância e da Juventude e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas para Infância e Juventude. Membro do Grupo Temático Direitos, Infâncias e Juventudes do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais. Doutor em Direito pela UnB. Mestre e graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.