Por Paulo Sérgio Lacerda Beirão
Nas universidades e centros de pesquisa, a matéria prima de nosso trabalho é o conhecimento científico. Sem o conhecimento confiável, constantemente verificado, não é possível se desenvolver tecnologias, políticas públicas, equipamentos e medicamentos seguros. Para que isso aconteça, são instituídos mecanismos de controle e verificação permanentes que checam esse conhecimento – isso é conhecido como rigor científico.
De forma semelhante, não é possível se construir uma sociedade democrática e harmoniosa sem um rigoroso compromisso com a verdade. Não dá para termos uma convivência saudável se a mentira e a enganação passam a ser aceitas e normalizadas.
Mecanismos existem na sociedade visando minimamente garantir essa premissa. Pessoas podem ser processadas por causarem danos ou prejuízos a terceiros ao faltarem com a verdade.
Mas com o advento da internet e das chamadas redes sociais, uma novidade surgiu: qualquer pessoa pode alcançar ampla audiência. O que, em princípio, é uma coisa muito positiva, abriu espaço para distorções: o surgimento de perfis falsos, robôs e pessoas buscando vantagens pessoais em detrimento de outras.
Assim, notícias deliberadamente falsas, com o objetivo de enganar ou manipular pessoas, ganharam amplo espaço: as fake news. É claro que esse tipo de mentira já existia mesmo antes da internet, na forma de boatos e fofocas, mas agora devem ser motivo de especial preocupação, pelas seguintes razões:
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Pelo alcance. Uma notícia falsa, se “viralizada”, pode alcançar virtualmente bilhões de pessoas. Estima-se que uma fake news se dispersa com velocidade e amplitude sete vezes maior do que uma notícia verdadeira, inclusive aquela que desmentiria a falsidade.
Pelo dano. Já são conhecidos vários exemplos de fake news causando suicídios, homicídios, linchamentos morais, especulações e fraudes financeiras (como a recente falsa informação relacionada com o Pix). Na política, há vários exemplos de fake news que enganam o cidadão, levando-o a votar com base em informações falsas, como mamadeira de piroca, kit gay, fechamento de igrejas, etc.
Os donos das redes sociais têm o poder de ampliar, via algoritmo, o alcance e o impacto gerado por mensagens de seu interesse
Pela impunidade. Não existem leis claramente aplicáveis que permitam punir os autores das fake news. E, pior, há pessoas que defendem a sua não existência em prol de uma suposta liberdade de expressão – como se existisse o direito de enganar outros em proveito próprio. Além da falta de leis, os falsos perfis permitem que essas mentiras sejam feitas anonimamente e ampliadas por muitos robôs, dando aparente credibilidade à falsidade.
Pela concentração de poder. Esse é um aspecto pouco mencionado, mas ainda mais grave. Os donos das redes sociais, as big techs, se desobrigam de qualquer responsabilidade pelo conteúdo das mensagens, mas têm o poder de ampliar, via algoritmo, o alcance e o impacto gerado por mensagens de seu interesse e, no sentido contrário, praticamente ofuscar os desmentidos ou mensagens que os desagradem. Assim, eles têm o poder de criar “verdades” que os interessam.
Vemos o poder econômico ganhando o poder de criar a verdade que lhe interessa. Agora, podemos entender porque o Elon Musk gastou parte considerável de sua fortuna para comprar o Twitter, mesmo tendo prejuízo financeiro nesta empresa. Se a sociedade não estabelecer a responsabilização das big techs, seremos controlados por elas.
Paulo Sérgio Lacerda Beirão é professor emérito da UFMG e integrante da Diretoria Setorial Ciência, Tecnologia e Educação do APUBHUFMG+
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal