Por Esther Guimarães e Luiz Paulo de Siqueira
A dependência histórica de Minas Gerais em relação à mineração moldou profundamente o estado: sua economia, sua política, sua cultura e sua estrutura social foram todas, em maior ou menor grau, capturadas por essa lógica extrativista. Interpretar uma dependência tão antiga exige um esforço coletivo de pesquisa e compromisso social — tarefas que convocam a universidade pública e sua função social.
Não é coincidência que a primeira instituição de ensino superior criada em Minas tenha sido a Escola de Minas de Ouro Preto, ainda no século XIX, justamente para formar técnicos para o setor mineral de capital inglês. Esse vínculo estrutural permanece até hoje, embora com novas características. Mas a relação funcional ao setor é vivamente tensionada por uma atuação universitária crítica, enraizada nos territórios e atenta às contradições da mineração.
Diante dos conflitos ambientais e sociais provocados pela mineração, as universidades oferecem estrutura técnica, científica e jurídica para que comunidades impactadas tenham voz e defesa. Enquanto as mineradoras investem pesadamente em pareceres e laudos para apoiar seus projetos, as populações atingidas geralmente não têm acesso a essa estrutura.
Nesse desequilíbrio, a universidade cumpre um papel de justiça social e epistemológica, permitindo que os conflitos sejam interpretados a partir das realidades locais, e não apenas pelos interesses econômicos.
O projeto neoextrativista do governo Zema enfraquece as instituições públicas e aprofunda a lógica da mineração predatória. A flexibilização do licenciamento ambiental abre espaço para uma expansão ainda mais agressiva da atividade mineradora, ignorando os riscos evidenciados em tragédias recentes como Brumadinho e Mariana.
Soma-se a isso a proposta de privatização da Codemig – proprietária das grandes reservas de nióbio de Araxá -, da Copasa e da Cemig, em uma direta ameaça a nossa soberania hídrica e energética. Dentro do pacote do Propag, o risco de privatização da UEMG se soma ao inventário de dilapidação do patrimônio público e da capacidade de pensar uma Minas Gerais de direitos, soberana, insubmissa ao capital da mineração. Entregar esses setores estratégicos ao controle privado é retirar da sociedade a capacidade de decidir sobre os rumos de seu próprio desenvolvimento.
As universidades públicas, por sua vez, têm mostrado que é possível construir um conhecimento comprometido com os direitos coletivos. Um exemplo contundente disso foi a atuação da UFMG na Ação Civil Pública pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, conduzindo perícias técnicas para informar decisões judiciais com base em evidências sobre danos à saúde, ao meio-ambiente, à socioeconomia e à infraestrutura.
Isso mostra como a universidade pública é um pilar das instituições da República, e a autonomia universitária assegura, associada à sua reconhecida capacidade técnica, contribui para assegurar justiça e reparação às vítimas dos crimes socioambientais.
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Mas, mais além, as universidades são espaços de criação, capazes de imaginar e construir alternativas ao modelo econômico baseado na espoliação de pessoas e territórios. A produção científica engajada é capaz de trazer à tona novas formas de viver e produzir: tecnologias sociais, práticas sustentáveis, políticas públicas inovadoras. Tudo isso fortalece uma soberania popular expressa no direito à água, à terra, à cultura, à renda e à dignidade.
Minas não precisa ser refém do minério. As universidades públicas são fundamentais para tornar viva essa afirmação ao descortinar alternativas econômicas, culturais e tecnológicas para o estado.
Entre os dias 28 e 29 de junho a Faculdade de Arquitetura da UFMG vai acolher o I Encontro Estadual de Pesquisadores pela Soberania Popular na Mineração, um evento que tem como objetivo colocar em diálogo as diversas experiências das universidades mineiras na defesa dos territórios frente à mineração. O encontro é uma iniciativa do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Fiocruz e o grupo de pesquisa Lab-Urb.
Ações como estas fortalecem a função social da universidade pública, estreitam a vida universitária com as demandas sociais e aproxima todo o potencial acadêmico para atuar em conjunto com os movimentos populares.
Esther Guimarães, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
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Luiz Paulo de Siqueira, biólogo e militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
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— Este é um artigo de opinião, a visão dos autores não necessariamente reflete a linha editorial do jornal.