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População em situação de rua no Brasil: a urgência da reparação racial

As pessoas em situação de rua no nosso país nunca foram incluídas no Censo

Por André Luiz Freitas Dias

A populaçao em situação de rua, no Brasil, é majoritariamente negra. E esta situação é longeva no nosso país. Conforme bem destacado por Abdias do Nascimento, muito antes da abolição da escravidão, ocorrida 1888, parcela da população negra brasileira, aquela que não mais “servia” para o trabalho, nem para a mendicância, considerada idosa à época, simplesmente era “despejada” nas ruas das cidades.

Sem acesso a terras, moradias dignas e educação, há tempos, a população negra, incluindo as pessoas em situação de rua, vem  sofrendo, cotidianamente, inúmeras violências, como a invisibilização, o silenciamento, a estigmatização, a criminalização, o encarceramento e a eliminação simbólica e física de suas existências.

Nos dias atuais, passados séculos de ininterruptas violências, não por uma coincidência ou simples correlação de variáveis, a população negra continua ocupando as ruas das cidades no nosso país. Sem políticas públicas estruturantes, com nítidas violações dos seus direitos previstos na Constituição Federal de 1988, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em julho de 2023, após apresentação da Arguição do Descumprimento do Preceito Fundamental (ADPF) 976, tendo como autores o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Sustentabilidade.

As pessoas em situação de rua no nosso país, como mais um exemplo das violências praticadas, nunca foram incluídas em um Censo Populacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por dificuldades metodológicas, segundo justificado pela prestigiosa instituição, que tem como missão institucional “retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania”.

Em julho deste ano, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) registrou, por meio do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), um dos principais instrumentos administrativos de contagem da população em situação de rua e de acesso às políticas públicas sociais, 351.508 pessoas em situação de rua no país, sendo 70% pessoas negras. No estado da Bahia, 93% da população em situação de rua registrada no CadÚnico é negra.

De acordo com o Censo do IBGE de 2022, 56% da população brasileira e 80% dos baianos se declararam negros. Esses números e porcentagens não se referem a uma coincidência ou à simples correlação de variáveis, mas a um projeto político das elites brancas de dentro e fora do nosso país para manutenção de inúmeros privilégios, como bem ressaltado por Cida Bento no seu livro “O Pacto da Branquitude”.

No contexto de ataques frequentes à democracia brasileira que temos vivenciado, deveria ser um dever, um compromisso político e social, um projeto de parte da nossa sociedade (impossível que seja de toda a sociedade) o questionamento e o deslocamento desses privilégios. Como mencionado no livro “A Dívida Impagável”, de 2019, de Denise Ferreira da Silva, acabar com privilégios é necessário para a construção de novas gramáticas e caminhos éticos, morais, jurídicos e estéticos e, consequentemente, de uma nação implicada, engajada, igualitária, inclusiva e justa, com a garantia dos direitos previstos na nossa Constituição para todas as pessoas, famílias, comunidades e populações.

Mais que planos governamentais, elaborados ocasionalmente ou em virtude da determinação do STF, como ocorrido com o Plano Ruas Visíveis do Governo Federal, voltado para o fortalecimento da atenção, do cuidado e da garantia de direitos, é imperativo para as pessoas e famílias em situação de rua, assim como para toda a população negra, a urgente instauração de um Projeto Nacional de Reparação Racial. Que inclua a criação de um fundo para as devidas e necessárias indenizações compensatórias pelos danos gerados pelo Estado brasileiro durante séculos e o financiamento de políticas públicas e diversas iniciativas, dentre elas a construção de monumentos, museus e espaços de educação, de história e de memória das violências vivenciadas e das resistências coletivas desenvolvidas no nosso país.

André Luiz Freitas Dias é professor e pesquisador-extensionista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da Coordenação do Programa Polos de Cidadania da UFMG

Leia outros artigos da coluna Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura e Artes em Pauta, do APUBH, no Brasil de Fato MG.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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