O sistema prisional no Brasil e no Distrito Federal enfrenta sérios desafios em sua estrutura, funcionamento e no seu declarado objetivo de ressocialização. A partir da minha vivência profissional no sistema socioeducativo e da atuação como servidor público, trago reflexões sobre entraves que dificultam a transparência, o controle social e a efetividade dessa política pública.
Meu primeiro contato com o sistema de privação de liberdade ocorreu no socioeducativo, voltado para adolescentes em cumprimento de medidas por atos infracionais. Apesar de ter legislação distinta do sistema prisional adulto, ambos compartilham contradições semelhantes.
Posteriormente, como assistente social na Secretaria de Justiça do DF, pude observar mais de perto as falhas estruturais. A lógica interna da privação de liberdade dificulta a participação da sociedade e o controle social. A Constituição de 1988 estabeleceu a participação popular como eixo das políticas públicas. No entanto, sem transparência, o controle é inviável.
Enquanto saúde e educação são amplamente fiscalizadas, o sistema penitenciário permanece opaco. Sabemos o número de escolas ou de crianças sem creche, mas não sabemos quantos presos estudam ou são de fato ressocializados.
No último dia 8 de julho, estive no Centro de Detenção Provisória II, na Papuda, realizando uma diligência pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) da qual estou presidente. A visita foi motivada por denúncias sobre a recente morte de um preso, atualmente sob investigação.
Colapso da política de ressocialização
As mortes no sistema, seja por violência entre internos ou por negligência do Estado, revelam o colapso da política de ressocialização. A ausência de acesso a direitos básicos torna o ambiente prisional mais violento e terreno fértil para o crime organizado, que se fortalece na violação de direitos.
A falência do sistema é evidenciada pelos dados alarmantes de reincidência: 90% dos internos que ingressam no CDP já foram condenados anteriormente por outros crimes, o que revela que o sistema tem falhado em cumprir o papel que se espera de evitar que as pessoas que por ele passam cometam novos crimes.
O número de denúncias recebidas pela Comissão de Direitos Humanos da CLDF mostra a gravidade da situação.
Em 2019, foram 23 denúncias. Em 2020, houve um salto para 505. Em 2021, foram 460; em 2022, 591; em 2023, 882. Em 2024, o cenário se agravou ainda mais, com 1.363 denúncias: o maior número já registrado. E nestes seis primeiros meses de 2025, já são mais de 350 denúncias. Esses dados escancaram o colapso do sistema prisional do DF e reforçam a necessidade de mudanças profundas.
A política penitenciária deveria unir responsabilização e ressocialização. Mas o que temos é a ausência de dados confiáveis, baixa oferta educacional e de qualificação profissional, atendimento psicossocial precário e violações de direitos.
No DF, dos 16 mil presos, menos de 2 mil estão inseridos em programas educacionais, mostrando um retrato da ineficiência da política prisional.
Os dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) revelam a dimensão educacional do problema: 9 mil não têm ensino fundamental completo e 3 mil não completaram o ensino médio. Isso evidencia que o problema começa muito antes da pessoa entrar no sistema prisional e para resolvê-lo temos que pensar em soluções que vão além da polícia e da prisão. É preciso de políticas efetivas de educação e assistência social para prevenção de crimes.
O discurso populista punitivista, que prega penas mais duras e repressão, ignora que a maioria dos presos retornará à sociedade. Sem oportunidades de acolhimento dentro do sistema, reforça-se o ciclo da violência e da reincidência. Precisamos discutir com seriedade essa política pública, considerando os recursos que consome e os impactos sociais que gera.
A realidade vivida nos presídios exige mudança. É preciso dar visibilidade aos problemas, cobrar soluções e garantir que o Estado cumpra sua responsabilidade. A ressocialização não pode ser só discurso; deve ser uma prática sustentada por políticas eficazes e controle social. O debate é urgente e deve ser guiado por coragem e compromisso com os direitos humanos.
*Fábio Felix é deputado distrital do DF, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Câmara Legislativa do DF (CLDF), assistente social, professor e ativista LGBTQIA+.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.