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12 mudanças (para pior) que o PL da Devastação fará no licenciamento ambiental

Neste PL não há menção à crise climática

Após a aprovação no Senado Federal do Projeto de Lei nº 2159, que tinha sido aprovado em 2021 na Câmara Federal, ele terá que ser votado novamente pelos deputados, porque sofreu várias alterações, piorando ainda mais a proposta original.

Chamado de Lei Geral do Licenciamento, trata-se, pelo seu teor e conteúdo, de PL da Devastação Socioambiental, porque, na prática, impõe o fim do regramento legal do Licenciamento Ambiental.

O PL 2159 é flagrantemente inconstitucional, pois viola muitos artigos da Constituição de 1988. Este PL reduz obrigações das empresas e do Estado nas suas grandes obras, dilui o poder da fiscalização, ignora os territórios tradicionais e implode a base regulatória do Licenciamento Ambiental em vigor.

A proposta como saiu do Senado faz as seguintes mudanças na legislação ambiental:

1) Introduz a Licença Ambiental Especial (LAE), que libera de modo mais rápido projetos considerados prioritários para o governo federal. A “toque de caixa” os projetos serão liberados sem os necessários estudos de impacto socioambiental.

2) Inclui a mineração de médio porte e alto risco entre os beneficiários das mudanças nas regras de licenciamento. Dando margem para o fatiamento de grandes projetos em vários pequenos ou médios projetos para driblar um Licenciamento Ambiental mais cuidadoso.

3) Não define atividades sujeitas a licenciamento, transferindo para os estados e municípios a decisão sobre o que deve ou não ser licenciado. É previsível o que vai acontecer diante de uma realidade de prefeitos no cabresto de grandes empresas, fazendo com que a omissão se torne cúmplice diante dos projetos devastadores do ambiente.

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4) Cria a Licença Ambiental Única (LAU), atestando em uma única etapa a viabilidade da instalação, ampliação e operação. No atual regramento, o Licenciamento deve acontecer em três etapas com as Licenças Prévia, de Instalação e de Operação, sendo que a cada licença são determinadas condicionantes que devem ser cumpridas para a obtenção para próxima licença. A criação da Licença Única será na prática extinção das três licenças, uma capa de legalidade em projetos brutais de devastação socioambiental.

5) Expande a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para médio porte e médio potencial poluidor – o autolicenciamento do empreendedor/empresa/Estado. Legalizar autolicenciamento é colocar “raposa para cuidar do galinheiro” e viola flagrantemente os direitos dos povos e comunidades tradicionais que, além dos direitos inscritos na Constituição Federal, têm direito à consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e consentida, conforme prescreve a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da Organização das Nações Unidas (ONU), homologada pelo Brasil desde 2004.

6) Dispensa o licenciamento para atividades do agronegócio: pecuária extensiva, semiextensiva, intensiva de pequeno porte, além de obras de saneamento básico, rede elétrica de média tensão e melhorias de obras preexistentes.

7) Dispensa Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de empreendimentos que o órgão ambiental considerar livre de impacto. Ou seja, fica legalizado o negacionismo e dispensados os estudos técnicos científicos que tanta luz trazem sobre os projetos devastadores.

8) Reduz a participação dos órgãos colegiados: retira atribuições técnicas e normativas do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e dos Conselhos Estaduais.

9) Reduz a participação de órgãos técnicos – como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – e a proteção a áreas de conservação, pois seus pareceres não serão mais vinculantes (deliberativos), mas apenas consultivos.

10) Ignora territórios de povos e comunidades tradicionais (inclui apenas terras indígenas homologados e territórios quilombolas titulados), ou seja, mais de 90% das terras indígenas e dos territórios quilombolas serão ignorados, por não serem homologados e nem titulados.

11) Diminui a participação social (só uma Audiência Pública “para inglês ver”!). Não são considerados os planos de bacias hidrográficas, a escuta dos Comitês de bacias e os Conselhos Estaduais e Federais de Recursos Hídricos. 

12) Desvincula o licenciamento ambiental das outorgas para o uso da água e do solo, ou seja, o abastecimento humano, que é prioritário, não será garantido (vem aí a guerra pela água!).

Quem ganha e quem perde com o PL 2159?

Sem dúvida, a bancada ruralista, grandes corporações nacionais e transnacionais, mineradoras, grandes empresários do agro e hidronegócio, negacionistas climáticos sairão ganhando.

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E quem perde muito com o PL 2159? Os povos originários, os povos tradicionais, a sociedade em geral e a natureza, porque, se aprovado e virar lei, a desertificação dos territórios se intensificará, os eventos extremos serão cada vez mais frequentes e mais letais. Os povos serão expropriados e forçados a migrar sem ter para onde ir.

Neste PL não há menção à crise climática nem à palavra clima. Ignora-se de forma criminosa o grito estridente das sirenes da Emergência Climática. Se 2024 foi o ano que teve o maior número de pessoas desalojadas por terem sido golpeadas pelos eventos extremos – um milhão de pessoas -, a história vai demonstrar que a cada ano o número será muito maior, pois crescerá em progressão geométrica.

É absurdo dos absurdos nos preparativos para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30) destruir na prática o regramento do licenciamento ambiental. O retrocesso ambiental será incomensurável.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)


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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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