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Geraldina Colotti

Vinte anos após o G8 em Gênova e a morte de Carlo Giuliani

Graduada em Filosofia pela Universidade de Genova, na Itália. É poeta, escritora, jornalista e tradutora. Já publicou poesia, romances, livros para...
A cultura política imperante do "movimento dos movimentos" era, porém, a do "caminhar perguntando"

Vinte anos se passaram desde as manifestações contra o G8 em Gênova, nas quais, em 20 de julho de 2001, o jovem Carlo Giuliani foi assassinado. Voltar a refletir sobre aqueles dias, nos anos de crise pandêmica, significa olhar para todo um ciclo de luta que acabou, para os vestígios que ele deixou no presente e para os fatores que serão úteis na nova etapa.

São fatores fragmentados e não compartilhados em um país como a Itália, ainda sem uma alternativa de classe capaz de aproveitar esse novo capítulo da crise sistêmica do modelo capitalista.

"Outro mundo é possível". O lema, como depois será lembrado, foi lançado em 1999 por Bernard Cassen, da organização Attac France. 1999 é o ano do "povo de Seattle", que é como a mídia começa a chamar os manifestantes que batem de frente com a polícia enquanto perseguem os poderosos do planeta, que se reúnem a portas fechadas.

O lema foi adotado em 2001 pelo primeiro Fórum Social de Porto Alegre, do qual Cassen é o idealizador junto com Ignacio Ramonet. O encontro aconteceu nos mesmos dias (25-30 de janeiro) do Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça. A palavra de ordem foi retomada por todos os fóruns sociais que continuaram sendo realizados a partir daí. O último aconteceu virtualmente em 31 de janeiro de 2021 e, após uma semana de atividades, anunciou-se a organização de um novo fórum no México, em 2022.

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Mas que possibilidade teriam esses movimentos – definidos como "altermundialistas" ou "antiglobalistas" – de tornar um outro mundo "possível" nos países capitalistas, algo hoje mais do que nunca "necessário" diante do fracasso de um modelo em que 60 famílias possuem as riquezas do planeta?

Se, de fato, é possível traçar um fio que, de Porto Alegre e Gênova, leve aos movimentos que vieram depois, como Occupy Wall Street, Me Too, Fridays For Future ou Black Lives Matter, no que diz respeito à Europa apenas o movimento Indignados na Espanha encontrou uma solução política real.

A breve temporada de governos de centro-esquerda na Itália, em 2006, figura como uma oportunidade perdida, consumida na drástica perda de peso e até na exclusão do Parlamento de um partido como a Refundação Comunista que o encontro havia iniciado.

Na Itália, depois do século 20, ocorreu também outro "desencontro" fundamental: entre os movimentos "antiglobalistas" e a tradição anterior de luta, proveniente da história do movimento operário. A Itália é um país que, no século 20, teve o maior Partido Comunista da Europa, o sindicato mais forte da Europa e a extrema esquerda mais importante da Europa.

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Uma "nova esquerda" que tem sido protagonista de uma longa temporada de luta contra a involução reformista daquele PCI (que depois desapareceu). Um ciclo de lutas que, a partir de 1968, também produziu guerrilhas: principalmente a das Brigadas Vermelhas, que durou quase vinte anos e terminou com um saldo de mais de 5 mil presos políticos, e uma damnatio memoriae que ainda perdura.

A cultura política imperante do "movimento dos movimentos" era, porém, a do zapatismo e do "caminhar perguntando", que se distanciava tanto da visão de Margaret Thatcher – there is no alternative, não há alternativa ao capitalismo – quanto da busca de uma transformação radical organizada.

Aquele 2001 em Gênova é, portanto, um marco. Durante três dias, mais de 200 mil jovens, vindos do mundo todo, protestaram contra as lideranças do G8, atrincheirados no centro da cidade. A polícia ataca as marchas pacíficas, um carabiniere mata Carlo Giuliani, as prisões em massa e as torturas continuam.

Como aconteceu no ciclo de lutas anterior, o estado burguês mostra sua verdadeira face, evidenciando a fragilidade ideológica daquela onda posterior ao século 20.

Em 11 de setembro, o ataque às Torres Gêmeas e a posterior guerra de Bush contra os "combatentes inimigos" marcarão um abismo intransponível entre o pacifismo ético e absoluto dos movimentos antiglobalistas e a ira dos povos oprimidos, órfãos de um horizonte secular e socialista. As manifestações pacifistas oceânicas contra a agressão ao Iraque, em 2003, desaparecerão no decorrer das agressões imperialistas seguintes.

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Se a rebelião zapatista de 1994 pode ser considerada a data simbólica do movimento altermundialista na Europa, a rebelião cívico-militar de Hugo Chávez na Venezuela de 1992 marcou, por sua vez, o renascimento do continente latino-americano, em um feliz encontro entre o comunismo do século 20 e o "socialismo do século 21".

Um "laboratório" que, após a vitória de Chávez nas eleições de 1998, resumiu as demandas da democracia "participativa e protagonista", dando forma a um novo poder constituinte e à Carta Magna de 1999, e que multiplicou o espírito de Porto Alegre na experiência dos conselhos comunais e, posteriormente, das comunas.

Enquanto as políticas neoliberais nos países capitalistas apertavam cada vez mais o nó no pescoço dos setores populares, a década de vitórias eleitorais que caracterizou o "novo Renascimento" na América Latina permitiu que milhões de pessoas saíssem da pobreza extrema e mantivessem em aberto a perspectiva concreta de outro mundo possível e necessário.

 

*Geraldina Colotti é graduada em Filosofia pela Universidade de Genova, na Itália. É poeta, escritora, jornalista e tradutora. Já publicou poesia, romances, livros para jovens e ensaios. Atualmente é membro da Rede Europeia de Solidariedade com a Revolução Bolivariana e integra também a Secretaria Executiva do Conselho Nacional e Internacional de Comunicação Popular.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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