O primeiro semestre na Câmara Municipal de Curitiba terminou do jeito que começou: atropelado, barulhento e profundamente constrangedor. Parecia roteiro de tragicomédia: personagens caricatos, cenas de tensão e violências e a constante sensação de que, se desligássemos a TV do plenário, ninguém sentiria falta da trama.
Lá dentro, longe do que vive o povo da cidade, mas não do que sente com os resultados, o que se viu foi um desfile de retrocessos. Discursos carregados de preconceito, ataques aos direitos das pessoas mais vulneráveis e uma obsessão coletiva em transformar o Parlamento num clube privado — daqueles que expulsam quem ousa contrariar a regra do silêncio conivente e do alinhamento automático com o poder.
Era para estarmos discutindo os desafios reais de Curitiba. Mas não. O que se assistiu foi um espetáculo de desumanidade: ataques públicos a artistas, à população trans, a negros e negras, mulheres, crianças. Propostas que buscavam proteger contra a violência sexual foram rejeitadas sem cerimônia. Direitos fundamentais dos servidores municipais foram congelados — de novo. A criminalização da pobreza e o desmonte das políticas públicas ganharam novos capítulos.
Como vereadora preta, lésbica, periférica e do axé, não pude e não quis me calar. Usei os poucos instrumentos que o Parlamento ainda nos oferece para cobrar responsabilidade ética de quem deveria representar a população — e não ofendê-la.
Foi nesse clima que protocolei representações contra um vereador que tentou excluir materiais de saúde voltados a mulheres trans, como se invisibilizar fosse um ato de zelo. O mesmo vereador que, da tribuna, afirmou que a Ku Klux Klan foi criada justamente para desarmar pessoas negras. E teve quem ficasse em silêncio. A fala foi tão grave que mais de 30 organizações da sociedade civil se manifestaram em repúdio. Também levei à Corregedoria denúncias de nepotismo envolvendo esse mesmo parlamentar — caso que ganhou destaque a partir da publicação de um jornal investigativo.
Mas nada disso pareceu indignar a estrutura de “controle” da Câmara. Todas as representações foram arquivadas. Arquivadas, como se o problema fosse menor do que uma falha técnica de microfone. A pergunta que fica: qual o papel da Corregedoria se não é o de corrigir? Ali, parece mais uma sala de blindagem institucional.
E se você acha que isso foi o fim, se enganou. Depois de arquivar todas as denúncias, o tal vereador resolveu me presentear com uma sindicância — contra mim. Alegam que eu teria imputado a ele um crime ao pedir investigação. Até agora, não tive acesso ao documento. Não sei a acusação. Aparentemente, o erro foi fazer meu trabalho e pedir por transparência no uso da verba pública.
A inversão é perigosa: quem denuncia vira alvo. Querem transformar um mandato popular e legítimo em objeto de perseguição. O motivo? Não fazer parte do clube. Não calar diante do absurdo. A Câmara, nesse enredo, deixa de ser um espaço público de representação para virar um feudo a serviço dos próprios membros.
Mas o semestre não parou por aí. A reta final teve um sprint de votações que faria qualquer maratonista passar mal. Em apenas dois dias, a Prefeitura colocou para votação, em regime de urgência, seis projetos — todos de alto impacto. Entre eles, a proposta que mexia com a carreira dos servidores. A cidade esperava justiça após anos de congelamento. Recebeu migalhas.
Na mesma leva, veio a proposta de fusão entre COHAB e Curitiba S/A. Duas empresas com funções diferentes, ambas enfrentando dificuldades. O planejamento? Ninguém viu. Mas o argumento era conhecido: “vamos economizar”. Só que a economia derreteu logo depois, quando vieram os projetos que criavam 40 cargos para o chefe de gabinete do prefeito, mais 9 para o IPPUC (o único com justificativa plausível) e, claro, a cereja do bolo: a criação da PARS S.A. — uma nova empresa público-privada. Dei a ela o nome que, para mim, representa melhor seu espírito: parsas. Porque, ao que parece, é disso que se trata.
Enquanto tudo isso acontecia, eu segui tentando garantir alguma coerência. E mesmo em meio a tanto retrocesso, conseguimos aprovar propostas que, de fato, fazem a diferença.
Uma delas é o projeto de lei que trata do direito à comunicação para mulheres com deficiência, um passo importante para garantir acessibilidade, autonomia e dignidade. Também aprovamos uma emenda na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) sobre saúde ocupacional para os servidores públicos, porque ninguém deveria adoecer servindo a cidade. E seguimos com a proposta voltada à saúde mental dos guardas municipais, que trabalham em condições duras, muitas vezes invisibilizados. Nessa mesma LDO também aprovamos uma emenda para proteção animal.
Conseguimos ainda valorizar o trabalho da Crazy Cat Gang, uma ONG de voluntários que cuida de gatos, faz adoção responsável e atua onde o poder público falha. Apoiar essa causa não é só proteger animais — é reconhecer um esforço coletivo de cuidado, solidariedade e resistência cotidiana.
Essas vitórias são sementes plantadas em solo árido. E mostram que ainda há espaço para fazer política com sentido. Enquanto muitos celebram a criação de cargos e empresas sem rosto, sigo apostando no que tem nome, CPF e coração pulsando por justiça.
Mas é preciso fazer uma escolha: ou seguimos normalizando o uso do Legislativo como espaço de conveniência, ou enfrentamos esse modelo que transforma a fiscalização em crime e a ética em ornamento decorativo.
O que está em jogo não é só o meu mandato. É a credibilidade de uma instituição que deveria servir à cidade — e não aos parças do momento.