No mundo do Direito existe uma ficção jurídica conhecida por crime continuado. Nele, os criminosos precisam preencher alguns requisitos para a sua caracterização: a) haver uma pluralidade de condutas criminosas do agente, ou seja, cometer dois ou mais crimes; b) os crimes possuírem a mesma natureza; c) as condições do crime demonstrarem uma continuidade na sua execução; e por fim, d) os criminosos devem agir com o mesmo propósito em relação aos atos criminosos.
Com a devida vênia aos penalistas, no mundo da política, se fossemos fazer uma digressão histórica dos últimos dez anos de história do Brasil, poderíamos fazer uma analogia com a figura do crime continuado ao tratar dos intentos golpistas no país.
Desde o fim das eleições de 2014, eles são nítidos no cotidiano da vida política brasileira. Se formos encaixar nos quatro requisitos destacados do crime continuado, poderíamos salientar da seguinte forma:
- Das diversas condutas criminosas cometidas pelos agentes políticos da direita brasileira, se destacam dentre as mais importantes: denúncia falsa de contestação do resultado eleitoral do pleito presidencial de 2014; responsabilização indevida de crime de responsabilidade fiscal, golpeando o mandato presidencial de Dilma Rousseff em 2016; retirada abusiva de direitos eleitorais conjugada com a prisão indevida do presidente Lula, o impedindo de concorrer às eleições de 2018; questionamento indevido das urnas eletrônicas por parte da extrema-direita no governo em 2022, além de articulação para a desestabilização do país e planejamento do assassinato de autoridades; destruição dos prédios dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 e tentativa explícita da realização de um golpe de Estado.
- No que diz respeito à natureza das ações criminosas realizadas, todos possuem caráter semelhante, no sentido da desestabilização do Estado Democrático de Direito, no descumprimento dos preceitos constitucionais e na tentativa de garantir poder à extrema-direita e seus agentes econômicos, tentando passar por cima dos pleitos eleitorais e das garantias democráticas.
- O que se viu em 8 de janeiro de 2025, não é fruto de alguma insatisfação espontânea e de momento. Foi uma construção intencional e histórica, que nos últimos 10 anos, se torna evidente com o questionamento eleitoral infundado em 2014 e se aprofunda nos anos seguintes.
- Não resta dúvida que o propósito comum dos agentes políticos criminosos nesta trajetória é a consolidação de um projeto de extrema direita no Brasil, se preciso for, solapando a democracia e viabilizando um golpe de Estado.
Podemos dizer que boa parte dos agentes políticos brasileiros, sobretudo alguns daqueles que estão no Congresso Nacional, praticam uma democracia de conveniência. Enquanto conseguirem se eleger por meio do voto, ela será útil, se ela não garantir suas preferências no poder, ela pode ser escanteada. Seria uma espécie de democracia funcional aos próprios interesses: só é válida, se beneficiá-los. Infelizmente, uma democracia que funcione desta forma, pode ser tudo, menos democracia.
Por isso é que, hoje, os políticos do Congresso Nacional agem como verdadeiros inimigos do povo. Não se intimidam de aprovarem a chamada PEC da Blindagem, que garantiria proteções legais a parlamentares e dificultaria a prisão e a abertura de processos criminais contra deputados e senadores. Isso em um momento político que se reconhece agentes político-econômicos da Faria Lima envolvidos com o PCC, deputados sendo identificado como milicianos, políticos conspirando contra o Brasil nos Estados Unidos, dentre outros pontos sensíveis. Além de aprovarem urgência na malfadada PL da Anistia, com o intuito de garantir a impunidade daqueles que tentaram da um golpe de Estado em nosso país.
E também é por isso que a única saída que o povo tem é a luta democrática em seu aspecto mais radical, aquela democracia direta, participativa e sem o intermédio de representantes. Democracia ativa e popular, capaz de mobilizar as pessoas para impedir que o atual Congresso Nacional mantenha o povo refém das suas vontades, e em uma crise sem fim provocada propositalmente. A vontade popular deve fazer da democracia não um ciclo eleitoral, mas um exercício de mobilização cotidiana contra os crimes cometidos pelo Congresso Nacional e a favor das necessidades do povo brasileiro.