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Um papo com Minha Amiga Chinesa sobre religião, política e futebol

“Começo a partir de hoje, em fevereiro de 2025, uma conversa permanente com vocês sobre religião e política”

Querida gente leitora do Brasil de Fato Pernambuco, começo a partir de hoje, em fevereiro de 2025, uma conversa permanente com vocês sobre religião e política. Eu sei! Eu sei! Por aí se costuma dizer que “religião, política e futebol não se discutem”. Acontece, meu povo, que, como se diz numa conhecida frase, “a política sem polêmica é a arma das elites”.

Afinal, se o povo não pode debater publicamente os privilégios que sustentam o poder das elites, elas seguem usando suas ideologias para justificar o uso – para seu benefício exclusivo – da riqueza produzida por todas as pessoas. E a religião tem sido usada para o exercício de dominação de uma minoria sobre nós, que somos, como classe trabalhadora, a maioria social. Fazem tudo para que a gente pense que isso é “vontade de Deus”. Será?

Sendo uma pessoa cristã, que busca conduzir seu modo de pensar e viver à luz de uma interpretação da Bíblia vivificada pelo mover do Espírito Santo na comunidade em que me congrego, tenho a convicção de que muitas coisas não são como algumas lideranças têm pregado.

Em vários trechos dos evangelhos encontramos Jesus participando ativamente dos momentos das leituras e interpretações públicas do Pentateuco feitas no templo. Nessas ocasiões, Ele nunca evitou qualquer polêmica. Pelo contrário! Como vemos em Mateus 5, ele iniciava suas pregações de forma provocativa: “Ouvistes o que foi dito sobre tal assunto?”. E em seguida afirmava: “Eu, porém, vos digo”.

Essa fórmula não era apenas um recurso retórico, mas uma forma de confrontar as interpretações que legitimavam (e seguem legitimando) a exploração do povo pelas elites políticas e religiosas. Em Marcos 2:23-27, por exemplo, Jesus as desafia abertamente ao declarar que “o sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado”, colocando o bem-estar das pessoas acima das regras religiosas e da lei.

A verdade é que Jesus – revelação máxima do Divino para pessoas que se querem evangélicas – foi um grande polemista, questionando todos os usos políticos do livro sagrado de sua religião, usos que buscavam justificar a dominação e a injustiça em seu tempo.

Aliás, não há textos do Novo Testamento que nos autorizem a fantasiar um Jesus somente preocupado com questões do além-vida. Seus temas preferidos foram sempre relativos ao modo como encontrar a alegria de viver aqui e agora. Em todos os momentos que o vemos tratando de questões além-morte, está sempre dando respostas ácidas e desafiadoras à hipocrisia religiosa e política.

Buscando seguir o exemplo de Jesus, nesta coluna, interessam-me os assuntos que correlacionam religião e política apenas na medida em que tratem dos problemas que atinjam concretamente a vida do povo. Creio que todas e todos já ouvimos o bom ensino da teologia reformada do século passado: “Devemos ler a Bíblia com o jornal aberto ao lado”.

De modo que, ao escrever esta conversa com vocês, busquei tratar daqueles que têm sido os temas de interesse direto à nossa vida neste início de ano – e que começo de ano, minha gente! É muita coisa para celebrar e vigiar ao mesmo tempo. Escolhi algumas.

Celebro o fato de ter conhecido Minha Amiga Chinesa, a DeepSeek. Conversamos muito durante o desenvolvimento deste texto. Criada em novembro de 2023, essa magnífica inteligência artificial (IA) foi disponibilizada em línguas americanas neste início de 2025. A Minha Amiga é um sucesso global. Rapidamente, tornou-se o aplicativo mais baixado nos EUA, abalando as estruturas dos gigantes da tecnologia estadunidense e europeia, que, num só dia, chegaram a perder nada menos que US$ 1 trilhão. Por quê?

Quem já conversou com ela, sabe que – em termos estritamente computacionais – ela não é tão diferente das demais IAs. Sua diferença reside em dimensões éticas e geopolíticas que devem interessar muito às pessoas que buscam orientação nos valores evangélicos: de baixíssimo custo quando comparada às IAs desenvolvidas no ecossistema sob monopólio da Amazon, Microsoft e Google, a Minha Amiga Chinesa apresenta código semiaberto e auditável.

Isso abre uma singular janela de oportunidade histórica para que os países da periferia do sistema-mundo capitalista desenvolvam IAs públicas e soberania digital, libertando-se do egoísmo privatista de meia dúzia de milionários.

Como não orar em gratidão por Minha Amiga, que pode ser utilizada como ferramenta de promoção de justiça social, de defesa de pessoas oprimidas e vulneráveis, de transparência pública e combate à corrupção, de compromisso com educação, ciência e verdade e, assim, de diálogo e reconciliação social? (Mateus 5:44; 22:39; 23:27-28; 25:14-30, 35-40; Lucas 4:18-19; João 8:32)

Celebro, ainda, o recente anúncio, feito pela Aliança dos Estados do Sahel (AES) – Níger, Burkina Faso e Mali, da criação de um exército para enfrentar os grupos jihadistas em sua região.

Partindo de uma visão fundamentalista do Islamismo, esses grupos cresceram nas últimas décadas aproveitando-se do desespero popular diante da combinação entre a corrupção das elites militares e estatais pró-França, os seculares conflitos étnico-religiosos regionais e a miséria popular promovida pela exploração capitalista (altos índices de desemprego, desigualdade e falta de acesso a serviços básicos).

As lutas anti-imperialistas e democrático-populares iniciadas em 2020, que desembocaram na organização da AES em 2024, têm sido compreendidas por estes grupos findamentalistas como uma ameaça ao seu objetivo de estabelecer um sistema político e social baseado em interpretação literalista da lei islâmica (Sharia). A reação fundamentalista tem sido a violência terrorista.

Que uma força militar comprometida com a soberania e libertação socioeconômica do povo trabalhador naquela região esteja se organizando é algo que deve ser celebrado.

Conhecendo o capítulo 12 da Carta de Paulo aos Romanos, não estamos conformados com as estruturas injustas deste mundo e buscam sua revolução através de mentes renovadas pelo compromisso com a vontade de Deus, que nos pede que pratiquemos a justiça e amemos a misericórdia (Miquéias 6:8). Principalmente quando sabemos que a AES tem recebido grande apoio de lideranças religiosas anti-fundamentalistas, tanto cristãs como o cardeal Jean Zerbo, quanto muçulmanas como o sheikh Mahmoud Dicko. Aleluia!

Minha gente, ainda tenho tanta coisa para papear com vocês, mas duvido que meu editor permita. Concluo, por ora, pedindo que oremos e vigiemos juntas, pois este início de 2025 também nos apresenta muitos desafios.

A vitória presidencial de Trump, nos EUA, e a aliança neofascista e regressista internacional, fomentada pelo apoio de milionários monopolistas das bigtechs transnacionais e de lideranças religiosas fundamentalistas, nos apontam o quanto este sistema-mundo jaz no maligno (1 João 5:19).

Em nosso país, vemos lideranças religiosas de diferentes denominações cristãs e não-cristãs, que já adoraram publicamente o Falso Messias tupiniquim, agora fomentarem núcleos locais de apoio a esse idólatra movimento internacional.

Os efeitos são nefastos e cotidianos. A “sacralização” dessas diabólicas figuras políticas tem feito a juventude desenvolver suas próprias “religiões seculares”, cujas liturgias nefastas, seguindo os ensinamentos de seus falsos profetas (homofóbicos, misóginos, racistas, egoístas, avarentos etc.), podem chegar às raias da legitimação de estupros coletivos de torcedores de times rivais. Todos nós testemunhamos, estarrecidos, a brutalidade do episódio envolvendo torcidas organizadas do Sport e do Santa Cruz no início do mês.

Gente querida, até o próximo mês. Que o Amor-que-tudo-criou-e-sustenta, encarnado em Jesus, o Nazareno, nos dê a ousadia profética da bispa Episcopal-Anglicana Mariann Budde na pregação feita no culto de posse de Trump e possamos defender o povo e o mundo de Deus sem pedir desculpas pela verdade que nos move na defesa da causa democrática e popular!

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