Recentemente, o deputado distrital Gabriel Magno enviou ofício ao procurador geral de justiça, solicitando apurações acerca de mensagens recebidas pelas redes sociais, denunciando graves violações ocorridas no Centro Educacional (CED) 01 do Itapoã, por parte dos militares que fazem parte da “gestão compartilhada”. Vamos aguardar e cobrar que o Ministério Público tome providências para investigar não apenas esta escola, mas todas as escolas que estão sobre esse regime.
Atualmente, no DF existem 23 instituições de ensino cívico-militares em funcionamento, que se inspiraram em política implementada pelo governo federal entre 2019 e 2022, o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM). O Programa foi extinto no governo Lula em 2023, mas segue com muitas sementes pelo país, e não podia ser diferente no Distrito Federal, onde a influência conservadora é forte.
O grande objetivo do projeto é inserir nas escolas a disciplina militar, ou como anunciado na portaria conjunta 22, de 28 de outubro de 2020, promover “a cultura cívico-militar, como ética e cidadania”.
É como se tais valores fossem próprios e exclusivos de militares, quando, de fato estão inspirados no currículo imposto pela ditadura militar, com o ensino de moral e cívica, que tinha a função de disciplinar estudantes e retirar a possibilidade de autonomia.
Além disso, como é possível separar um projeto pedagógico da disciplina ou dos valores éticos que se pretende transmitir às crianças e aos adolescentes? E sabemos que a disciplina militar, em geral, é exercida pela força e pela coação, o que não coaduna com a educação, que deve ser inspiradora e facilitar os processos criativos.
Convivemos com desigualdades extremas e muito privilégio para as pessoas brancas, com as maiores rendas, que, em geral, estudam em escolas privadas e bastante elitizadas. Imagino que se a proposta disciplinar dos militares fosse realmente voltada para melhorar o rendimento escolar de estudantes, tais escolas já teriam, há tempos, encontrado um caminho semelhante para apresentar aos seus. Mas isso não aconteceu, por quê? Porque os corpos que querem disciplinar são outros corpos. São negros, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, periféricos.
Há relatos, trazidos pelos próprios estudantes, de que a disciplina recai sobre seus corpos, sobre a vestimenta, sobre os cabelos, sobre as formas de manifestação das identidades das adolescências. Além de histórias de assédio, preconceito religioso e desrespeito com meninas, principalmente. O que não se vê são notícias de que tais militares, destacados para atuarem nas escolas, tiveram algum preparo para isso, em algum momento de suas vidas laborais.
O novo Plano Nacional de Educação (PNE) está em tramitação na Câmara dos Deputados e deverá ser aprovado no Congresso Nacional até o final do ano, quando termina a vigência do atual. Então, neste momento estamos travando muitas frentes de luta, para termos ali registrada a importância da implementação, em todas as escolas, das Leis 10639/2003 e 11645/2008, para que possamos ter uma educação antirracista.
Além de inserir questões de gênero e sexualidade, especialmente no ensino médio, para que as adolescentes não se vejam a mercê de assédios, gravidez na adolescência, dentre outras questões decorrentes da sociedade racista e patriarcal na qual vivemos. Ou mesmo vítimas da ideologização que tomou conta dos currículos escolares, com a criação do falseamento acerca dos estudos de gênero, intitulados pejorativa e ideologicamente como “ideologia de gênero”.
A educação que queremos é de qualidade, emancipadora, antirracista, antissexista e que garanta a autonomia de todas as estudantes e todos os estudantes. A escola pública precisa ser espaço seguro para meninas negras periféricas, indígenas, quilombolas e pessoas LGBTQIAPN+.
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* Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.