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O Plano Diretor e o futuro da cidade: regeneração urbana não é possível sem justiça social e participação popular

O Pdot do Distrito Federal é, neste momento, a principal ferramenta para projetar o futuro urbano da capital

A cidade é um organismo vivo. Nasce, cresce, adoece, se regenera. Mas para que essa regeneração aconteça de forma justa, inclusiva e sustentável, é preciso mais do que boas intenções: é preciso planejamento. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) do Distrito Federal é, neste momento, a principal ferramenta para projetar o futuro urbano da capital. E, nesse futuro, não é mais aceitável deixar para trás os territórios degradados que carregam cicatrizes históricas de desigualdade e abandono.

Um exemplo emblemático é o Setor Comercial Sul (SCS), no centro de Brasília. Planejado originalmente como um polo de serviços e circulação, o SCS foi, ao longo das décadas, desfigurado por políticas de esvaziamento, especulação imobiliária e negligência do poder público. No entanto, ao contrário da imagem de “área-problema” que frequentemente se tenta impor, o setor pulsa vida. Ali se concentram trabalhadores informais, pequenos comércios, pessoas em situação de rua, artistas urbanos e coletivos culturais.

É um território que, mesmo diante dos desafios, resiste.

No Instituto No Setor, junto a uma potente rede de parceiros construída nos últimos anos, temos aprendido que o Setor Comercial Sul não precisa ser “revitalizado” no sentido higienista do termo. Precisa, sim, ser reconhecido, cuidado e transformado a partir das suas potências — e não apesar delas. Por isso, defendemos que o novo Pdot incorpore instrumentos específicos para induzir processos de transformação urbana em áreas degradadas, como o SCS, com base nas experiências mais avançadas do urbanismo contemporâneo.

O mundo nos apresenta caminhos. O urbanismo regenerativo, que busca reconstituir os laços entre cidade e natureza. O urbanismo tático, com intervenções rápidas e participativas para reocupar os espaços públicos. A economia circular, que propõe o reuso de edifícios e infraestruturas, evitando a expansão predatória sobre novas áreas. E a justiça espacial, que exige políticas públicas capazes de reconhecer e enfrentar as desigualdades territoriais.

Nesse sentido, o Pdot pode — e deve — prever Zonas Especiais de Interesse Social e Cultural, que protejam e incentivem usos comunitários e criativos em regiões como o SCS. Pode estabelecer incentivos fiscais e urbanísticos para projetos que promovam inclusão social e geração de renda. Pode ainda criar fundos públicos e fomentar parcerias com organizações locais, garantindo que a transformação ocorra com quem já vive o território — e não contra eles.

Transformar uma área degradada não é sinônimo de expulsar moradores, demolir símbolos ou apagar histórias. É, antes, reconhecer a vida que ali pulsa, oferecer infraestrutura, garantir segurança sem violência, apoiar a cultura popular, assegurar moradia digna, estimular a economia local e acolher os historicamente invisibilizados.

O Setor Comercial Sul tem potencial para se tornar a principal referência do Distrito Federal em reabilitação urbana com justiça social e participação popular. Mas, para isso, precisa ser incluído no centro das decisões. Que o Pdot não seja apenas um instrumento técnico, mas um compromisso político com os territórios reais da cidade.

A cidade que queremos não nasce do zero: ela emerge das frestas do abandono, das esquinas esquecidas e dos becos que insistem em florescer.

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*Rafael Reis é coordenador do Instituto No Setor.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato – DF.

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