Por Miguel Enrique Stédile
Durante quatro dias, reunidos no Sesc Pompeia, em São Paulo, entre os dias 7 a 10 de abril, economistas, intelectuais e ativistas políticos foram consensuais em afirmar que as múltiplas crises do capitalismo – marcada por guerras, desigualdades extremas e colapso ambiental – exigem mais do que reformas superficiais e a urgência de um projeto emancipatório é inegável. Mesmo formado por um público de diversas opiniões e correntes políticas de diferentes partes do mundo, especialmente do Sul Global, a conferência Dilemas da Humanidade: Perspectivas para a Transformação Social reafirmou a necessidade de uma agenda econômica que combata a lógica do sistema atual e a ascensão da extrema-direita, que ameaça direitos e aprofunda a barbárie.
Ironicamente, a atividade ocorreu na mesma semana em que Donald Trump ameaçava todos os países do globo, revelando a ineficiência das instituições globais. Diante disso, a conferência se debruçou sobre a falência do modelo de desenvolvimento baseado em exploração predatória, em que o Norte Global mantém seu domínio via controle financeiro e tecnológico, enquanto o Sul sofre com endividamento crônico, desindustrialização e a espoliação de seus recursos naturais. A resposta reacionária a essa crise — como o avanço do fascismo na Europa, nos EUA e na América Latina — só agrava o quadro, criminalizando movimentos sociais e destruindo conquistas democráticas.
O evento não apontou uma agenda definitiva, mas pilares para a construção de um projeto de transformações estruturais e que não se limite a ajustes cosméticos; como destaque, ressaltou-se a necessidade de uma economia que esteja à serviço da vida, com políticas que priorizem necessidades humanas e que tenha em mente os limites ecológicos; a soberania popular, com controle estatal e social sobre recursos naturais, dados digitais e sistemas financeiros; e a integração Sul-Sul por meio do comércio e cooperação tecnológica entre os países periféricos.
Os debates também não lançaram para o futuro a necessidade de luta e construção destes pilares. Ao contrário, algumas medidas defendidas pelos palestrantes e debatedores – como a retomada do controle público dos Bancos Centrais, a integração regional via BRICS e uma transição energética justa, são ferramentas para um programa do presente. Ao mesmo tempo, movimentos e intelectuais alertaram aos governos progressistas eleitos nos últimos anos de que sem ruptura com um modelo econômico de extrativismo, commoditização e rentismo, processos populares podem ser neutralizados ou cooptados, inviabilizando ajustes estruturais.
Diante da emergência de um mundo multipolar e da resistência estadunidense a este novo planeta, exigem-se medidas cooperadas e integradas. Não existirá nenhuma saída ou mudança que ocorra de forma isolada. No caso latino-americano, nossa melhor oportunidade é a integração e a ação conjunta. Tanto para se postar nos fóruns e mecanismos multilaterais quanto para enfrentar a atual arquitetura financeira global, comandada pelo FMI e por bancos privados – responsável por estrangular os Estados nacionais com dívidas insustentáveis -, assim como para enfrentar a ofensiva conservadora na batalha de ideias e valores.
Nada disso é possível sem força social organizada e ousadia para sairmos do deserto da mediocridade que assola os debates econômicos. É preciso coragem para enfrentar os interesses consolidados do mercado financeiro e das indústrias bélica e tecnológica que sequestraram e desintegraram os organismos de governabilidade global. O preço da covardia será cobrado pela acentuação das crises ambientais, energéticas, migratórias, econômicas e sociais. O momento é de unir teoria e prática, resistência e projeto. O futuro não está bloqueado. Ele ainda está em disputa.
* Miguel Enrique Stedile é integrante da coordenação do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.