Ainda está em tempo de parabenizar o cineasta Kleber Mendonça Filho, vencedor do prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes por seu mais novo filme, O Agente Secreto, que foi aplaudido por não menos de 13 minutos e ainda ganhou o prêmio da crítica após a sua estreia mundial. Por sua atuação na obra, Wagner Moura também levou o troféu de melhor ator.
Capitaneado pela Cinemascópio (de Kleber e Emilie Lesclaux), o longa é uma coprodução com outras três produtoras da França, Holanda e Alemanha. Não é novidade que Kleber é um danado e que sua arte nos afeta profundamente. Pintando sua vila, ele impacta o universo.
Mas também está em tempo de aplaudir o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), administrado pela Ancine e pelo Ministério da Cultura. Mais do que isso: está mais do que em tempo de pedir “bis” e cobrar a volta dos Núcleos Criativos (o próprio Kleber desenvolveu um deles num passado nem tão recente), a regulação do mercado de vídeos sob demanda (VOD), protegendo a indústria brasileira, e uma política de fomento a salas de cinema, ampliando o alcance da produção nacional.
Em discussões sobre o tema, são sempre citados estudos do Itaú Cultural, da Fundação Getúlio Vargas e do próprio Governo Federal que, realizados a partir de metodologias diferentes, afirmam que cada real investido na cadeia produtiva da cultura tende a “crescer” em 50% ou em até 13 vezes, retornando em forma de políticas para a sociedade. Colocada em perspectiva, a cadeia produtiva da cultura apresenta resultados maiores até do que a indústria automotiva – com impactos social e ambiental bem distintos.
O presidente Lula bem sabe disso. É tanto que a “retomada da cultura” é uma das ações mais relevantes deste novo governo. Com o retorno do MinC, os investimentos também voltaram. Através da Lei Paulo Gustavo, já foram destinados R$ 3,86 bilhões para estados e municípios.
Outra lei, a Aldir Blanc, tornou-se uma política nacional e prevê a execução de outros R$ 3 bilhões anuais até 2027. Recentemente aprovado e em fase de regulamentação, o Sistema Nacional de Cultura (Lei nº 14.835/2024) promete integrar fundos, dinamizar as discussões a partir de conselhos e medir resultados de planos plurianuais produzidos coletivamente.
Em Pernambuco a gente tem muito, muito, muito o que fazer. É difícil encontrar um gestor que consiga compreender a importância do investimento na cultura. Não apenas porque é legal, porque faz bem e porque a gente gosta. Mas porque dá dinheiro e deveria ser um dos nossos principais motores de desenvolvimento. Justo num estado conhecido e reconhecido pela sua diversidade cultural e pela sua vocação para a produção artística nas mais diversas linguagens, nós estamos devendo.
Instituído em 2002, o Funcultura, principal programa de fomento à produção local, há mais de 10 anos segue quase sem acréscimos, variando quase nada em valor nominal. Para se ter uma ideia, em 2017 a execução (de R$ 47 milhões) foi maior do que no ano passado (2024), quando o governo celebrou um aumento de 22% em relação ao exercício anterior. Faça a conta da inflação e perceba quanto perdemos de valor real. Mas quem dera o problema fosse “apenas” a falta de recursos.
Atrasos frequentes em assinaturas de contratos e desembolsos, editais mal feitos, falta de foco na interiorização do dinheiro e falta de estrutura nos órgãos responsáveis pela execução são apenas algumas das reclamações que você vai ouvir se sentar 10 minutos com qualquer pessoa que já ousou escrever um projeto cultural no nosso estado. Inclusive este mesmo colunista, que foi produtor responsável por uma ou duas temporadas do Pé na Rua, programa produzido junto com o Ateliê Produções e que hoje está no ar no CineBrasilTV (depois de ter sido aprovado em edital há quase 10 anos).
Executando cada vez mais (importantes, necessários, inéditos e ainda insuficientes) recursos federais para o setor, a Fundarpe e a Secretaria de Cultura têm rodado editais e tentado otimizar seus processos internos, mas seguem com pouca atenção de quem comanda o governo.
Quem produz segue demandando mais transparência, mais participação nas tomadas de decisão e menos burocracia. O marco regulatório do fomento à cultura (Lei nº 14.903/2024) permite uma série de simplificações que são urgentes para garantir a democratização desse recurso e para permitir que o dinheiro possa chegar e se multiplicar em todos os territórios do estado.
Por trás do histórico descaso está uma lógica antiquada, uma maneira equivocada e obsoleta de tratar a cadeia produtiva da cultura com desdém, como se não fosse importante, como se não pudesse ter um papel central na economia, justo em tempos de transição climática e inteligências artificiais que põem em xeque o mundo do trabalho como conhecemos hoje.
E quando se avança, a perspectiva ainda é colonial, lida como uma forma de “ajudar os artistas” ou privilegiando sujeitos já consolidados, na perspectiva de promoção da gestão. Ainda que tenha havido avanços, como a criação do próprio Funcultura, há mais de 20 anos, é urgente que se coloque este setor em seu devido lugar: central.
Criar é preciso.
Imagina agremiações da cultura popular com grana pra trabalhar o ano inteiro, independente dos ciclos, fomentando a economia e o turismo. Imagina as empresas locais de tecnologia integrando-se com produtoras, produzindo inovação em todas as linguagens – e criando outras. Imagina núcleos produtivos trazendo novas perspectivas de emprego e renda para as periferias, assentamentos rurais e comunidades tradicionais. Imagina a criação de centros de formação especializados na cadeia da cultura por todo lado. Imagina toda essa produção disponível para a nossa população a partir de um sistema de comunicação que garanta esse fluxo.
Esta revolução será televisionada, digitalizada, teatralizada, literalizada, musicalizada. E é mais possível do que muita gente pensa.