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Ivan Moraes é pai, jornalista, sonhador, escritor, conversador, defensor de Direitos Humanos e vereador do Recife pelo PSOL.

A tarifa zero e a possível revolução no transporte público pernambucano

O operação do transporte na Metropolitana do Recife custa cerca de R$ 140 milhões por mês. Como seria se aplicássemos aqui a solução de BH?

Estava esses dias cuidando da saúde, dando uma caminhada no Parque Santana. No ouvido, o podcast Fio da Meada, da Rádio Novelo, que sempre tem entrevistas bacanas. Quem estava lá conversando com a apresentadora Branca Viana era Roberto Andrés. Urbanista rochedo e estudioso de mobilidade, ele falava de seu livro A razão dos centavos: Crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013, que já estou querendo ler. No papo reto, o principal assunto era a possibilidade de tarifa zero no transporte metropolitano – e eu prestei bem muita atenção.

Roberto participa e acompanha de perto a luta pela Tarifa Zero no mundo e nos diz que mais de 300 municípios em todo o planeta já adotam a prática, sendo que no Brasil já são mais de 130 cidades, todas de pequeno porte. Belo Horizonte, onde mora e milita, tem tudo para ser a primeira capital do Brasil a aprovar uma legislação que garante o transporte gratuito como política pública. O projeto, encabeçado pela vereadora Iza Lourença (Psol), tem a co-autoria de 22 parlamentares e tem tudo para ser aprovado este ano. Na conta mineira, cada empresa com mais de 10 funcionários contribuiria para um fundo que financiaria o sistema.

Não é de hoje que eu defendo a tarifa zero. Mas meu olho brilhou com o papo do meu amigo sabido. Sim, porque uma coisa é saber que temos um direito que não está sendo garantido. Outra, melhor, é perceber direitinho que existe um caminho factível para vê-lo acontecer de verdade, com potencial de mudar a vida das pessoas.

Chegando em casa, mandei logo uma mensagem para Roberto, convocando-o a pensar comigo uma proposta para Pernambuco inteiro, que ele respondeu positivamente na mesma hora. Depois liguei o computador e me desandei a pesquisar e fazer umas contas “de padaria” que divido com você só para a gente começar a conversa. Não se trata de um projeto pronto, até porque os números são todos aproximados e há muitas maneiras de garantir o financiamento dessa ousadia. Mas vamos lá.

Cutucando aqui e ali, vi que a operação do transporte público apenas na Região Metropolitana do Recife custa aproximadamente R$ 140 milhões por mês (R$ 110 milhões dos ônibus e R$ 33 milhões do metrô), o que dá mais ou menos R$ 1,7 bilhões por ano. Em 2024, uma boa parte desse custo (R$ 310 milhões) foi bancado pelo próprio Governo do Estado, com subsídios, para evitar um novo aumento da tarifa. Como seria, então, se a gente fosse aplicar aqui a solução de Belo Horizonte?

Pelo Cadastro Central de Empresas (CCE), Pernambuco tinha, em 2022, pouco mais de 50 mil empresas com mais de 10 funcionários, sendo que juntas elas empregam formalmente mais ou menos 2,4 milhões de pessoas. Com vistas a promover a justiça fiscal, eu dividi estas empresas em três grupos: de 10 a 49 pessoas empregadas; de 50 a 249 e de 250 em diante. Se o primeiro grupo contribuir com R$ 40 por mês por pessoa contratada, o segundo com 60 e o terceiro com 100, já teríamos pouco mais de R$ 160 milhões ao mês, o que daria (com sobra) para bancar o sistema completo, inclusive eliminando a necessidade de subsídio direto do erário público.

Meu exercício, feito de forma livre, durou apenas uma hora e não considerou uma série de fatores econômicos e legais. Não leva em conta uma necessária discussão sobre o aumento e melhoria da frota, sobre o transporte fora da RMR ou mesmo questões relacionadas à constitucionalidade. Os dados foram tirados de fontes oficiais, mas também de reportagens publicadas pela imprensa – confiando que os jornalistas checaram as informações que eu não chequei.

Mas esse exercício serve para mostrar que compreender o transporte público como um direito humano fundamental para a garantia de outros direitos, como o trabalho, a saúde, o lazer e a educação, está bem longe de ser um sonho. Mas é, sim, uma possibilidade real de construção, que – ao ser implementada a partir de um amplo processo de estudos e escutas – tem tudo para dar certo.

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