Há pessoas e instituições que tentam reduzir a religião a um instrumento de controle, de medo, de opressão. Mas há também quem a transforme em força de resistência, em ferramenta de luta, em plataforma de defesa de quem é oprimido. O Papa Francisco foi e seguirá sendo esse alguém.
Em um mundo onde o silêncio das grandes autoridades costuma ser comprado pelo barulho das moedas, Francisco escolheu romper com a indiferença. Desde o início de seu pontificado, afirmou com clareza o que muitos governos e as elites se recusam a admitir: terra, teto e trabalho não são favores, são direitos. Quando um Papa diz isso é um ato político. É um posicionamento firme contra o sistema que nos quer de joelhos não em oração, mas em submissão.
Francisco incomodou porque se recusou a viver a fé apenas encerrada nos palácios e preferiu caminhar com quem está nas ruas, nas periferias, nas ocupações. Porque não tratou a pobreza como um fato inevitável, mas como resultado das decisões políticas que concentram riqueza e distribuem miséria.
Ele não se calou diante do genocídio do povo palestino, dando-lhes seu apoio até o fim. Como poucos em posições de grande visibilidade, Francisco denunciou a crise climática, a guerra como negócio e o “império do dinheiro” que consome nossas vidas e o planeta.
A importância de figuras religiosas como um Papa estarem ao lado da luta por justiça social é imensa. Quando líderes com grande alcance reconhecem as dores do povo e a força dos movimentos populares, eles rompem silêncios a partir de um lugar de poder e abrem as portas para que a luta entre.
Francisco enfrentou o conservadorismo que tenta sequestrar a fé para justificar preconceitos, para manter as minorias em posição de inferioridade. Ele foi criticado dentro e fora da Igreja, acusado de politizar a religião. Mas o que ele entendeu é o que muitos não querem entender: lutar contra a fome, a miséria e a exclusão deveria ser uma missão sagrada.
Enquanto a extrema direita espalhava ódio com vernizes moralizantes mundo afora, Francisco pregava acolhimento e dignidade. Onde outros queriam cruzes como armas, ele ergueu a cruz como símbolo de justiça e solidariedade.
A memória de Francisco precisa nos lembrar todos os dias que não há neutralidade possível diante da desigualdade. Que fé e política não devem ser ferramentas de opressão, mas instrumentos de transformação. Não basta orar por um mundo melhor – é preciso lutar por ele, erguer a voz e se organizar para criar futuros mais justos.
Em tempos nos quais muitos querem criminalizar os pobres e transformar o sofrimento em espetáculo, a coragem de um Papa que defende os trabalhadores é luz na escuridão. É também uma convocação para que cada um e cada uma de nós seja, onde estivermos, companheiros de quem carrega o peso da exploração nos ombros; que sejamos instrumentos de solidariedade de classe.
O legado de Francisco continuará ecoando em cada esquina onde houver resistência. Seguiremos dizendo: nenhuma pessoa sem casa, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma família sem dignidade.
A fé não deveria se ajoelhar diante do poder. Ela tem que se levantar com e para o povo.