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Sociólogo, Doutor em Ciência Política. Diretor da Democracia e Direitos Fundamentais. Conselheiro Instituto Novos Paradigmas e Brazil Office Alliance.

Trump, o fiador e o flautista

Trump, de fiador da extrema direita global pode ter se tornado um simulacro do flautista de Hamelin para a extrema direita

“Se ainda tivéssemos uma democracia que funcionasse, essa jogada contra o Brasil seria, por si só, motivo para impeachment”, afirmou Paul Krugman, economista estado-unidense premiado com o Nobel de Economia em 2008. Em uma frase de poucas palavras, Krugman condensou dois elementos essenciais para entendermos a situação política global.

Primeiro, que a iniciativa tarifária anunciada pelas redes privadas de Donald Trump é absolutamente desprovida de racionalidade e, igualmente, de estratégia que possam enfrentar a crise econômica estrutural que a economia dos Estados Unidos (EUA) ingressou neste século 21 e de onde não parece ter encontrado a saída.

Segundo, que a ascensão de Trump é a expressão de uma crise profunda da democracia nos EUA, que se mostra incapaz de exercer os controles e contrapesos imaginados em seu sistema político, ao melhor modelo de Montesquieu[1]. Trump, com essa e outras ameaças à países soberanos – não esqueçamos das incidências sobre o canal do Panamá, Canadá, Groelândia, ataque militar ao Irã e o apoio ao governo neofascista de Netanyahu, primeiro-ministro de Israel – busca se tornar o fiador da extrema direita global.

Em sua declaração, Trump justifica sua iniciativa unilateral de super tarifar as importações brasileiras pelos “ataques do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos uma tarifa de 50% sobre todo e qualquer produto brasileiro enviado para os Estados Unidos” (sic).  Trump adotou uma política de intervenção política em um país soberano através do uso de um instrumento de comércio exterior. Desde a intervenção militar em apoio ao golpe de 1964, os EUA não protagonizavam um ataque desta envergadura ao Brasil.

Não é a primeira vez, neste governo, que Trump ataca a soberania brasileira. Segundo o site DefesaNet, especializado em defesa e militaria com forte inclinação política de direita, “Diplomatas vinculados a setores republicanos dos Estados Unidos, diretamente associados ao núcleo político do presidente Donald Trump, vêm articulando informalmente com interlocutores brasileiros o uso irrestrito do Aeroporto de Fernando de Noronha e da Base Aérea de Natal, no Rio Grande do Norte”. 

Tem tudo para dar errado… para a economia dos EUA. Trump não está sendo travado pela democracia e pela Constituição estado-unidense, para espanto de Krugman e nosso.

A grande questão é: como as diferentes frações da burguesia brasileira se comportarão frente a esse golpe econômico nas exportações brasileira. Continuarão a apostar na política simplória e ineficiente do bolsonarismo ou vão compor uma frente de reação às medidas trumpistas, sob risco de uma profunda perda de capital?

Setores mais atrasados tecnologicamente, como o agronegócio exportador, já sentem de imediato o problema. Para o país, o problema vai mais longe. Setores mais modernos, com alta densidade tecnológica, como a indústria aeronáutica, espacial, metalmecânico e de tecnologia da informação, serão fortemente afetadas por essas medidas protecionistas de Trump.

A extrema direita tomou a dianteira e saiu em defesa da medida de Trump. Liderados pela família Bolsonaro, a tentativa consiste em constranger o Supremo Tribunal Federal (STF), também alvo político da nota trumpista, para influenciar no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Talvez, buscando uma moderação na condenação.

Mas o que parece central da tática do bolsonarismo (corrente momentaneamente hegemônica na extrema direita brasileira) é buscar se posicionar melhor na disputa política no interior do campo reacionário. O ganho para o bolsonarismo viria a ser a consolidação de Eduardo Bolsonaro como candidato à presidência em 2026. Tarcísio Freitas parece ter se ferido no arame farpado estendido. Prensado entre os interesses do empresariado exportador e do agronegócio e a necessidade de agradar a base política de extrema direita.

O tiro pode ter saído pela culatra. A imediata adesão da extrema direita, como por exemplo a posição de Tarcísio de Freitas, entra em choque com os interesses do empresariado nacional. Os editoriais de O Estado de São Paulo, porta-voz da República Velha, e da Folha de São Paulo, porta-voz dos bancos, já demonstram que não haverá apoio maciço da burguesia e dos conservadores a esse movimento neocolonialista de Trump.

O risco de rompimento ou, ao menos de enfraquecimento, do bloco empresarial-reacionário é concreto. Trump, de fiador da extrema direita global pode ter se tornado um simulacro do flautista de Hamelin para a extrema direita.

[1] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Edipro, 2023.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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