A pedido do Jornal Bicicleta, o professor Arnaldo Marques, coordenador do MBA em Gestão Econômica e Financeira de Tributos da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), simulou o impacto da reforma tributária no preço da bicicleta vendida no Brasil e descobriu que, apesar do aumento da alíquota (total dos impostos), elas podem ficar – no mínimo – 1% mais baratas, podendo chegar a uma redução de 15% a depender da alíquota do ICMS, um imposto que varia de estado para estado.
A reforma tributária unifica cinco tributos existentes – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins – em dois novos impostos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A simplificação vai tornar o sistema tributário mais eficiente e transparente para a sociedade. Ela já foi aprovada no Congresso Nacional, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da silva (PT) e será implementada em fases, a partir de 2026, com a expectativa de unificação de todos os tributos em 2033. Leia aqui as perguntas e respostas do governo sobre o assunto.
Eu procurei a FGV com a intenção de contrapor as informações publicadas em reportagem do G1 ano passado, onde se afirma que a carga tributária de oito em dez bicicletas vendidas no Brasil sofreria aumento médio de 16 pontos percentuais e elevaria os preços em torno de 20%, para proteger a Zona Franca de Manaus.
“Um cálculo impreciso”, alerta Marques, pois atualmente a carga efetiva de impostos da bicicleta não é de 23% como diz a matéria, mas de 26,26%.
“Não é aplicação direta. Eu tenho que embutir na base de cálculo do PIS e da Cofins o próprio PIS e a Cofins, porque eles se tributam também. É uma maluquice do sistema tributário brasileiro que é difícil as pessoas entenderem”, observa.
Em consequência, na composição do preço, a alíquota desse imposto federal não é 9,25% (o valor previsto nominal, que diz a lei), mas de 10,19%, devido à tributação em duplicidade.
“A coisa piora quando a gente vai pro ICMS. A alíquota nominal de 4% (informada na matéria) vai para 4,59%. E o IPI (imposto federal), que não se tributa, mas tributa o PIS e o ICMS, cuja alíquota informada é de 10%, cresce para 11,48%”, aponta.
Desinformação
Se eu sou dono de uma montadora ou distribuidora de bicicletas, iria espumar de raiva ao ler a matéria do G1. Ora; o Lula vai me lascar. Como pode fazer uma reforma que vai aumentar os impostos da bicicletinha, um veículo tão verde? Mas e eu leio o Jornal Bicicleta, eu vou saber que não é nada disso que vem sendo falado no esquenta dos pedais matinais.
Primeiro: tem muita gente envolvida na decisão, e não foi Lula que escreveu a reforma. Não foi nem foi o governo. Ela foi desenvolvida por pensadores do Centro de Cidadania Fiscal, uma think tank apoiada por Ambev, Itaú, 99, Coca-Cola, entre outras grandes companhias, e foi protocolada na Câmara dos Deputados pelo deputado Baleia Rossi (MDB) como PEC 45/2019. O texto foi aprimorado por técnicos do Governo Federal, Câmara dos Deputados, Senado Federal e sociedade civil, sendo discutido, revisto e, por fim, aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional. Só depois é que foi sancionada pelo presidente da República.
Em segundo lugar, mesmo que a carga tributária do novo sistema seja maior do que no velho, um imposto não vai taxar ele mesmo e nem os outros durante o processo de fabricação e venda da bicicleta. Hoje, um imposto se tributa e tributa outros impostos e as empresas não conseguem restituir a duplicidade de pagamento. A solução? Cobrar do cliente. E mais: ela ainda nem começou a ser regulamentada.
Alíquota efetiva igual à nominal
A reforma acaba com a distinção entre alíquota nominal e alíquota efetiva, pois aquilo que for pago duas vezes será devolvido em forma de crédito tributário de acordo com regras a serem estabelecidas. Ninguém ainda sabe quais serão os valores dos novos impostos.
“Ele (a Aliança Bike, a fonte do G1) trabalhou com alíquota de CBS/IBS de 29%. Isso é suposição, porque essa alíquota não foi determinada ainda. Começou em 26,3%. Aí a imprensa vem dizendo que vai aumentar, porque tem novas exceções, novos privilégios e tal”, alerta Marques, adicionando que não se sabe nem mesmo qual será o novo valor do IPI, que atualmente é 10%.
Lamentavelmente, dizer que a nova carga tributária da bicicleta será de 39%, saindo de 23% para 39% é um equívoco da reportagem do G1, que precisa ser reparado. Marques avisa que mesmo com a manutenção do IPI para bicicletas fabricadas fora da Zona Franca de Manaus (pois é a única maneira de manter a competitividade das indústrias que se dispõem a contribuir para a preservação da Floresta Amazônica), a simplificação da reforma tributária vai resultar em um novo modo de calcular o preço dos produtos.
Não-cumulativadade e base de cálculo menor
Para exemplificar, ele diz que se o preço de uma bicicleta atualmente é formado por custos de R$ 400, despesas de R$ 200 e margem de lucro de R$ 400, totalizando R$ 1 mil, antes dos impostos da venda, quando a reforma for regulamentada, o preço pode cair para R$ 900, pois aqueles impostos já recolhidos pelos fornecedores das matérias-primas ao longo da cadeia não serão recolhidos novamente pelo cliente e, caso sejam recolhidos, haverá a restituição de créditos, resultando na redução do custo. É a não-cumulatividade plena.
“Nesse novo sistema, os tributos não vão se tributar nem tributar outros tributos. A alíquota nominal de 39% vai ser a alíquota efetiva. Não vai ter diferença como tem hoje”, reforça.
“Eu vou ter um aumento de carga tributária, mas vou ter uma redução de preço de quase 1%. É uma redução ridícula, mas empatou zero a zero aqui na nossa simulação com esses números que eu usei. Quanto mais créditos eu puder reconhecer no novo sistema, nessa ideia de não-cumulatividade plena, menor vai ser a minha base de cálculo”. Estima.
Leia aqui a entrevista completa com o professor Arnaldo Marques, PhD em Administração de Empresas, mestre em Controladoria Empresarial e consultor há 35 anos.