É inequívoco: a Palestina venceu La Vuelta a España de 2025, uma das três maiores competições de ciclismo de estrada ao lado da Volta da França e do Giro da Itália. Venceu, pois uma massa de mais de 100 mil pessoas se reuniu no domingo, 14 de setembro, para impedir que os atletas entrassem na capital, Madri, para finalizar a última etapa da prova iniciada em 23 de agosto, em Vigo, na Galícia. O motivo era a presença de uma equipe patrocinada pelo Estado de Israel, a Premier Tech.
Financiar a equipe canadense é uma forma dos sionistas aplicarem a “lavagem esportiva”, em inglês, sport washing, uma maneira de conquistar mentes incautas para validar o discurso dos genocidas de que palestinos são todos terroristas e precisam ser eliminados. É uma tentativa de amenizar os mais de 65 mil mortos em Gaza desde outubro de 2023, sendo mais de 25 mil crianças e quase 300 jornalistas. Por isso, os manifestantes foram para as estradas exigir que a Premier Tech desistisse da competição ou que os organizadores decidissem por sua exclusão, o que não aconteceu.
Como nas outras etapas, a polícia tentou espantar os manifestantes que empunhavam bandeiras palestinas e cartazes anti-Israel e anti Netanyahu, o maligno primeiro-ministro assassino. Teve bala de borracha, gás lacrimogêneo e muita borrachada, mas ela não logrou êxito. Em Madrid, a massa era muito grande e estava dividida em quatro pontos de entrada da cidade. Nem fascistas nem ciclistas, literalmente, passaram.
Quem ocupou o palco onde aconteceriam as premiações finais foram essas pessoas humanistas que não aceitaram a presença da equipe financiada pela propaganda genocida trafegando livremente em seu território. Disseram em alto e bom som que a organização realizasse sua festa da vergonha à beira da estrada mesmo, usando caixas de ferramenta como pódio, a 57 quilômetros de distância dali.
Espanhóis e espanholas nos brindaram com essa genuína manifestação de humanidade e indignação logo no começo da Volta da Espanha. A primeira ação para chamar a atenção para o genocídio perpretado por Israel em Gaza aconteceu em 27 de agosto, em Figueres. Cinco ativistas fecharam a estrada e interromperam o percurso do contrarrelógio. Não houve vencedores.
A repercussão nas redes sociais foi rápida. Nos dias seguintes, protestos se formaram nas etapas de Andorra, no País Basco, em Bilbao — onde uma etapa foi neutralizada —, em Astúrias e em Poio, onde o local da chegada precisou ser alterado às pressas. São fartas as imagens de embates entre manifestantes e as polícias das localidades que tentavam reprimir os atos. Mas aqui no Brasil quase ninguém falou disso, pois o assunto ficou restrito ao noticiário esportivo que, em geral, fala muito pouco de ciclismo.
Após os primeiros protestos, a equipe Premier Tech tentou adotar medidas para evitar confrontos e atenuar a crise. Apagou a bandeira israelense e outros símbolos sionistas de uniformes e materiais de apoio, ressaltando a própria marca. Ao mesmo tempo, dirigentes e atletas adotavam um discurso isentão, focado apenas no esporte, destacando a tradição e o desempenho do time, enquanto escondiam as referências ao maior patrocinador. Mesmo assim, a cada nova etapa os protestos se intensificavam, revelando que a crise humanitária em Gaza havia se tornado inseparável da corrida.
O governo espanhol recomendou que a equipe deixasse a competição, o que ela recusou. No senso-comum, se nenhum atleta russo pode competir sob bandeira nacional devido à guerra com a Ucrânia, por que o mundo aceita que equipes israelenses participem de todas as competições impunemente? No domingo, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez elogiou as manifestações pró-Palestina. “Um modelo e uma fonte de orgulho para a comunidade internacional”, disse.
Eu não costumo cobrir competições esportivas. Prefiro falar da bicicleta enquanto direito social como meio de transporte para lazer, educação e trabalho e saúde. Não sei qual equipe foi declarada vencedora. E pouco me importa a opinião de quem pedala bicicletas de R$ 100 mil reais e aparece nas redes rechaçando as manifestações por supostamente colocar em risco os atletas ao mesmo tempo em que ficam mudos sobre a motivação delas.
Aludindo à Mário Quintana; Eles (não) passarão. Eu passarinho. Viva o povo espanhol, viva a Palestina!
*Rogério Viduedo é jornalista de São Paulo e integrante do Programa de Jornalismo de Segurança Viária da Organização Mundial da Saúde. Cobre as áreas de segurança viária a mobilidade sustentável desde 2016. Em 2018, criou o site Jornal Bicicleta para cobrar autoridades por soluções eficientes para deslocamento da população. Recebeu o Prêmio Abraciclo em 2021 com a reportagem, “Cultura da bicicleta se aprende na escola”.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.