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Leonardo Santana é advogado e doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília  (UnB)

Precisamos falar sobre Jean Wyllys

Jean Wyllys estava no terceiro mandato de deputado federal quando, em 29 de janeiro de 2019, renunciou à vaga na Câmara dos Deputados. Em sua justificativa, estavam as constantes ameaças de morte e os insultos diários no ambiente legislativo.

Retomo aqui a renúncia de Jean Wyllys para falar sobre migração e participação política de pessoas LGBTI no Brasil.

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Nosso país é majoritariamente de pequenas cidades. Nelas, vivemos sob a solidariedade e o controle moral das famílias que costumam reproduzir valores dominantes sobre a sexualidade e o gênero e, consequentemente, tornam sofrida a vida de pessoas LGBTI. São piadas, correções, violências físicas que acabam inviabilizando a permanência no local em que nascemos.

Migrar para uma cidade maior, onde o controle sobre a vida privada seja reduzido, passa a ser uma estratégia de sobrevivência quase que instintiva.

Jean Wyllys tem uma história parecida e comum entre nós. Natural de Alagoinhas (BA), ele migrou para estudar em Salvador onde fez carreira como professor e pode vivenciar a sua sexualidade com maior liberdade. Acompanhei essa história contada por ele mesmo no Big Brother Brasil (programa veiculado na Rede Globo, da qual ele foi o vencedor na edição de 2005) e imediatamente me identifiquei.

Sonhei junto com milhares de pessoas que eu nem conheço quando eu poderia migrar e ser dono da minha própria vida.

Eleito deputado federal, Jean passou a ser alvo de uma campanha difamatória nacional. Acusações de todo tipo, ataques públicos, assédio, xingamentos em qualquer lugar do país em que ele fosse.

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O contexto era de ascensão da extrema direita que espalhava mentiras sobre a pauta política LGBTI como forma de ganhar simpatizantes e desviar o foco das suas propostas de ataque a direitos sociais, naturalmente impopulares. Era como se todo o Brasil passasse a ser a comunidade natal da qual tanto desejamos nos distanciar para ser nós mesmos.

O resultado foi a renúncia ao mantado do único parlamentar gay assumido daquela legislatura, e sua migração para outro país, onde as pedras lançadas contra ele tivessem maior dificuldade em atingi-lo, onde a comunidade não o enxergasse como inimigo.

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Em ano eleitoral, quando felizmente assistimos ao aumento no número de pessoas LGBTI nas candidaturas, precisamos voltar a falar sobre Jean. Como profissional que acompanha diariamente os trabalhos da Câmara e Senado, eu arrisco dizer que a pauta da diversidade sexual e de gênero arrefeceu, pois foco da polêmica e do circo de horrores montado pelos conservadores agora está fora do país.

Sim, estou afirmando que a ausência de Jean Wyllys na Câmara dos Deputados representou enorme déficit para o debate sobre cidadania LGBTI.

Primeiro por não termos mais o protagonismo do parlamentar gay e, segundo, porque a extrema direita criava a sua própria identidade com o escárnio diário contra Jean, agitando o tema das diversidades. Foi assim que Bolsonaro chamou Jean de “menina” numa fala sobre a Vaza Jato, para desviar o holofote sobre o então ministro Sérgio Moro, mas a estratégia já estava combalida assim como está hoje o ex-juiz.

Haverá um grande dia em que devolveremos o mandato à Jean Wyllys, ainda que simbolicamente.

Neste dia, o país não será um ambiente hostil às pessoas LGBTI e poderemos viver a plenitude das nossas vidas, mas até lá precisaremos enfrentar grandes desafios como as eleições de 2022 onde certamente teremos novas baixas, expulsões do espaço público e da política.

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*Leonardo Santana é advogado e doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília  (UnB)

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

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