Por Leonardo Koury Martins e Rafael Gregório
O carnaval de Belo Horizonte simboliza luta e resistência cultural. Antenado a realidade política da cidade e do país, a partir da organização em blocos, o Carnaval se consolidou como um dos maiores eventos do Brasil, apresentando um crescimento exponencial nos últimos anos. Entre 2013 e 2024, o número de foliões saltou de 500 mil para mais de 5,5 milhões.
Carnaval de BH transforma festa em educação popular
“Doncovim, oncotô e proncovô?”. É com essas perguntas carregadas de mineiridade e poesia que o carnaval de Belo Horizonte (MG) se apresenta este ano, reafirmando seu papel como um espaço de resistência, memória e invenção de futuros. Muito mais do que uma festa, o carnaval da capital mineira se configura como um convite à reflexão e à celebração das nossas presenças ancestrais e da construção coletiva de outros mundos possíveis.
Vivemos tempos em que o futuro parece cancelado e muitos se limitam a apenas sobreviver ao presente. No entanto, o carnaval de BH resiste como uma fresta iluminada, um momento em que a ancestralidade, as memórias e as possibilidades de bem viver tomam as ruas em forma de tambor, canto e celebração.
Sob a perspectiva de Luiz Antonio Simas, o carnaval é uma “fresta nas festas” — um espaço que vai além do festejo, capaz de denunciar as mazelas do presente e anunciar que outros caminhos são possíveis. Em tempos de mudanças climáticas, dizer sobre a resistência do povo e da terra é necessário.
Transborda, Seu Vizinho, Faraó e Então Brilha
A narrativa do carnaval nos blocos Transborda, Seu Vizinho, Faraó e Então Brilha nos convida a revisitar nossas raízes e imaginar os futuros que queremos construir. Por que, afinal, a luta também pode ser dançada, e a resistência, celebrada. Porque os movimentos da cultura precisam dizer não a violência provocada no planeta.
Festa popular torna as ruas espaços de transformação
E como diz Ailton Krenak: “cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir”.
Com uma homenagem aos povos originários e às comunidades afrodiaspóricas no Brasil, o Bloco Faraó celebra as culturas que sustentam nossa identidade e projeta futuros fundamentados na força e sabedoria dessas tradições.
Inspirado pela poesia de Sued Nunes, o bloco Transborda traz o tema “Povoada: terras amefricanas”, abordando a conexão entre humanidade e natureza e o conceito de Lélia Gonzalez sobre a “Améfrica Ladina”, um território construído por bases ameríndias e afrodiaspóricas.
Já o bloco Seu Vizinho celebra seus 10 anos de história, trazendo o tema “A Serra se armando de esperança e coragem”, com uma homenagem a Conceição Evaristo e um diálogo sobre o conceito de “esperançar” como força transformadora.
O bloco Então Brilha pergunta “Qual futuro você deseja construir?” e “Quais raízes te mantém firme?”. Propondo uma reflexão sobre o tempo e a ancestralidade como motores para imaginar e construir novos mundos.
Março em Beagá é carnaval!
Esses são alguns dos blocos que ocupam as ruas neste ano e levam à cidade reflexões profundas sobre nossa conexão com a Terra, com as memórias ancestrais e com as possibilidades que já existem, mesmo que nas entrelinhas da vida cotidiana.
Mais do que nunca, torna-se fundamental dar visibilidade a esse movimento, que transforma os festejos em educação popular e as ruas em espaços de transformação.
Nessa jornada intertemporal entre “doncovim, oncotô e proncovô”, Belo Horizonte celebra sua história e, ao mesmo tempo, planta as sementes para um amanhã mais justo e plural. Que essas narrativas ecoem para além das ladeiras, mostrando que no Carnaval da resistência, outros mundos são possíveis e já estão em construção.
Aos movimentos sociais, cabe acompanhar o dia a dia dessa que é uma das mais importantes festividades populares do mundo, que mudou Beagá e tem esperançado o Brasil. Carnaval é resistência frente a uma sociedade cada vez mais meritocrática e individualista!
Leonardo Koury Martins e Rafael Gregório são militantes da comunicação popular no carnaval de Belo Horizonte!
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Leia outros artigos na coluna de Leonardo Koury no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião, a visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.