O comentário desta semana pretendia tratar – novamente – da sucessão do papa Francisco. Já tinha um título e uma linha de exposição alinhados a tradição das coberturas da Rede Globo, em Roma. Afinal, a intencionalidade daquele exército de turistas de luxo empenhados em subverter a essência política de uma transição que pode afetar os destinos do planeta não poderia passar desapercebida.
Porém, a ideia básica de comentar aqui o tratamento superficial da vênus platinada, focada nos reflexos de luzes nas calçadas da cidade das sete colinas, para ocultar movimentos e intenções dos principais críticos do papa Francisco, foi atropelada na noite de quarta-feira (7), pela tropa golpista que reina na Câmara Federal, quando os deputados a pretexto de suspender a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) abriram os portões para o perdão de todos os golpistas.
Por isso, quanto aos atuais movimentos do demo, lá nas voltas do Concilio, recomendo atenção à matérias do Brasil de Fato, lembrando que Donald Trump não foi ao Vaticano para rezar. Afinal, embora óbvio, vale dizer que a Globo também não está lá para lembrar aos brasileiros daquelas atitudes com que Francisco anunciou que a fé cristã, em sua essência, reclama compromissos de todos para com a ampliação do protagonismo dos esquecidos pelo capitalismo, caminho fundamental para a redução das iniquidades e a construção de um mundo mais justo. Também não será evidenciado pela Globo que Francisco chamou organizações sociais, comunidades científicas e religiosos de outras formações espirituais, para escrever, com ele, e respeitando a diversidade de suas posições, aquelas encíclicas luminosas.
Estes e outros posicionamentos por parte de um soberano absoluto que abdicou desta condição, baseando seu pontificado na escuta, na consulta, no cuidado com os motivos de todas as diferenciações, corresponde a um chamado de consciência que deve nos alertar contra as enganações preparadas pelos servos do capeta, canalhas menores, sanguessugas e bajuladores de todo tipo, que rastejam entre nós.
E foi a ação vergonhosa daqueles que por fatalidade dominam a Câmara Federal, que acabou impondo a iniquidade, a falta de vergonha parlamentar, como nosso tema para este comentário semanal.
Ressalve-se que o novo e até aqui de longe o maior de seus crimes, não começou ontem. A trama da Lava Jato, a mamadeira de piroca, o golpe contra Dilma, a prisão do Lula, o teto fiscal, o bloqueio nas estradas, o caminhão bomba, o mimo aos acampamentos golpistas, o punhal verde amarelo, os milhões de acesso às lives mentirosas do Nikolas Ferreira (PL), o bloqueio à regularização das mídias, a construção programada da desinformação, do medo e das mentiras e o avanço da corrupção, que deram aquele colorido e mau cheiro ao Congresso, nos trouxeram ao atual momento.
E com certeza a rede globo tem responsabilidade para com isso, mas não é a única. Todos que se posicionaram e se movimentam contra os valores defendidos por Francisco, que esperam se beneficiar de alguma forma com a anistia aos mentores/financiadores/executores desta última tentativa de golpe, são coautores do que nos ameaça. Não serão esquecidos, e precisam ser enfrentados.
Para tanto, precisamos entender que a ganância, a arrogância daquelas pessoas e das legiões em que participam se apoiam em nossa desatenção àquilo que até o Relatório de Riscos Globais 2025, do Fórum Econômico Mundial já apontou como o maior de todos os desafios do presente: a ignorância coletiva. Construída pela desinformação intencional, sistemática e cientificamente programada, ela prospera na mesma medida em que nossa apatia facilita a exploração, a degradação das possibilidades de vida e do espírito humano, em favor dos interesses de um sistema falido e sob as patas de seus serviçais.
Pois é disso que se trata.
Na noite do dia 7 de maio a Câmara Federal aprovou um projeto de lei segundo o qual “fica sustado o andamento da Ação Penal contida na Petição n.12100 em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a todos crimes imputados”. O texto, enganoso e flagrantemente inconstitucional, após aprovado por 44 (contra 18) votos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), subiu acelerado para a plenária. Ali, em regime de urgência, sem possibilidade de discussão e sem que a sociedade – que majoritariamente rejeita a anistia – pudesse ser minimamente informada, recebeu 315 votos incluindo 197 de partidos da base do governo que ocupam ministérios de Lula (PP, 44 votos a favor, 1 contra e 3 ministérios; MDB, 32 votos, 5 contra e 3 ministérios; PSD, 26 votos, 11 contra e 3 ministérios; PRD, 4 votos, zero contra e um ministério; PSB 3 votos, 3 ministérios; PDT 2 votos – havia recém deixado o Ministério da Previdência) e mais 40 votos do Republicanos, partido de seu suposto aliado, na presidência da Câmara Federal, entre outros.
Só este parágrafo, relatando o coração do que ocorreu após Jair Bolsonaro (PL) expor as tripas para se vitimizar e logo depois mostrar sua condição real, ao subir e descer de um carro de som, naquele comício fracassado de Brasília, já justificaria um novo título para esta coluna. Caberia bem algo como Os Ratos Contra-atacam, pois foi exatamente isso que ocorreu.
Mas Francisco é nosso guia. E pensando nele precisamos entender qual é nosso lado, nosso papel e nossos deveres neste momento histórico em que parlamentares canalhas tratam de desmoralizar os fundamentos da democracia, comprometendo a paz e fraudando argumentos que, maliciosamente espalhados pela máquina de desinformação, tendem a encaminhar o Brasil para o caos.
“O meu povo é pobre e eu sou um deles” disse Francisco em frases e ações que resumindo sua vida agora nos convocam a reagir contra aqueles que, se omitindo ou atuando como vendilhões do templo, da pátria e do futuro deste pais, acabam de recolocar entre nós o golpe de estado, como ameaça real.
Uma música que diga algo sobre isso? É até chato, pela banalização e repetição excessivas e esvaziadas a que Geraldo Vandré tem sido relegado, mas sem dúvida, quem sabe faz hora, não espera acontecer.
Ao que parece, infelizmente os golpistas se apropriaram também disso.
Precisamos reagir.
Obs: fumaça branca na Capela Sistina e depois de fugir do Bonner a Ilze Scamparini de fato subiu no telhado… Infelizmente, sem tempo para estudar o fato e assim poder comentar as implicações a esperar da ascensão deste novo papa, norte-americano que viveu no Peru e que esperamos carregará consigo a coragem, o espírito e a alma que nos iluminaram e aqueceram durante o pontificado de Francisco.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.