Sabemos que o aquecimento global e os desastres a ele associados, que destroem a vida de milhares de pessoas, decorrem de ações humanas.
Isso é assim porque algumas ações, toleradas inclusive pela forma como são apresentadas à sociedade (via de regra passando desapercebidas), geram reações em cadeia e abrem rupturas no metabolismo da vida. As mais graves delas acabam se expandindo, se multiplicando ao ponto de comprometer a homeostase terrestre.
Estas ações que possuem repercussões ecocidas vão além dos crimes contra a humanidade e por isso, em ambientes sensatos, deveriam ser banidas do repertório de possibilidades humanas. No entanto, por falha nossa, elas tendem a ser equiparadas ao comportamento ignorante daquelas crianças que “por esporte” fazem tiro-ao-alvo em passarinhos, ou daqueles adultos que não dão valor à presença de agrotóxico na água que seus filhos bebem. Como se os problemas ficassem na bolha de vida dos movimentos que cada um faz.
Infelizmente não é assim. E mesmo naqueles casos onde se percebe o avanço da consciência agroecológica, pelo crescimento no número de organizações ambientalistas e pelo ativismo popular contra o negacionismo, os progresos são lentos e o otimismo tende a ser enganoso.
Embora sem desanimar, precisamos encarar com realismo o momento e a sociedade em que vivemos.
E isso nos revela que os maiores responsáveis pela promoção de ações de repercussão negativa estão muito bem representados no Congresso Nacional. Lá, como ficou evidenciado pela aprovação, na noite desta quarta-feira (22), do PL da Devastação Ambiental, eles são maioria. E assim, naquele espaço de representação dos interesses de todos os brasileiros, a defesa de lucros máximos em prazos mínimos, para poucos, é o que interessa. O resto pouco importa.
E desta maneira, para resumir em poucas palavras, aquela maioria de 54 (contra 13) senadores, ao garantir aprovação folgada do PL2159/2021, acelerou o ritmo com que marchamos para o inferno na terra brasilis. A carta branca concedida para a devastação ambiental, com aquela decisão parlamentar, dá impulso ao aquecimento global e nos empurra a todos para o caldeirão da casa comum.
Mas e agora, fazer o quê?
Berrar, reclamar… até pode e esperamos que vá ajudar. Mas não será suficiente. Torcer para que a Câmara corrija o Senado? Bobagem, ali a situação é pior.
Precisamos, para além do desmascaramento e da substituição de negacionistas ocupantes dos espaços de representação social, que sejam apontados caminhos e estimuladas ações concretas para o enfrentamento do caos. Precisamos de trabalhos em favor da conscientização coletiva. O momento é de protagonismo, ou desaparecimento. E talvez os chamados à ação possam se dar a partir de conteúdos relacionados a duas palavras: denúncias (que alimentem a indignação necessária para superação da apatia) e anúncios (que apontem, apoiem e multipliquem o protagonismo social em defesa da vida).
Esta é a estratégia adotada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
E bons argumentos não faltam.
No campo das denúncias além do muito que consta no endereço da Campanha, vale lembrar que apesar do Brasil ter reduzido o desmatamento em 32,4% (relatório MapBiomas 2024), neste mesmo ano os desastres climáticos levaram cerca de um milhão e cento e trinta mil brasileiros a abandonar suas casas (temporariamente, na maioria dos casos, mas quase sempre perdendo tudo que lá havia). Em 2024, (segundo o Atlas Digital de Desastres no Brasil – Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional – MIDR) por conta dos 1.265 episódios de chuvas extremas, somados a outros 1.279 registros de estiagem ou seca, 299 mil brasileiros resultaram mortos, feridos ou adoecidos por causa das chuvas e secas (e incêndios).
As perdas econômicas, os desequilíbrios psicológicos, e os sofrimentos nunca serão corretamente dimensionados. Tudo isso tem a ver com agronegócio e ainda assim, sob patrocínio das bancadas do boi, da bala e da bíblia, o desmonte ambiental avançou acelerado, no Congresso Nacional.
Afinal, quem os elegeu e a que interesses servem aqueles parlamentares que aprovaram o PL 2.159?
Nota técnica do Observatório do Clima (OC) mostra o que devemos esperar como resultados práticos daquilo que a senadora Tereza Cristina (PP-MS) afirma serem flexibilizações destinadas a simplificar sem facilitar os licenciamentos ambientais, com vantagens para o Brasil e os brasileiros.
As avaliações do OC apontam para tendência de homogeneização negativa e degradação acelerada em todos os biomas. Avanço de monocultivos, com aceleração dos desmatamentos, do esgotamento de rios e aguadas, dos desastres ambientais, das contaminações do ar, da água, dos solos, dos alimentos e dos crimes contra povos indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais.
A ruptura de serviços ecossistêmicos cruciais para contenção do aquecimento global e os desastres ambientais resultantes impactarão de imediato sobre relações socioculturais e meios de vida das populações rurais, ameaçando direitos humanos fundamentais constitucionalmente protegidos.
Tudo isso será viabilizado por conjunto de “flexibilizações” nas normas legais. Em desprezo a direitos socioambientais consagrados na Constituição Federal, o poder de fiscalização do estado resulta enfraquecido pela concessão de prioridade a isenções e à maracutaia de um autolicenciamento via internet, que dispensarão de vistorias atividades predatórias do agronegócio ecocida, entre outras.
O potencial de danos irreversíveis aos ecossistemas brasileiros, aos povos tradicionais, ao clima global e à segurança de cada cidadão, relacionados ao PL 2.159 (a “mãe de todas as boiadas”) pode ser avaliado em apresentação preparada pelo Observatório do Clima.
Resumidamente: por decisão de senadores que compõem inclusive a base do governo, esta lei, que dá corpo ao maior retrocesso na legislação socioambiental de nossa história, prenuncia tsunami de desastres que comprometerão os esforços da COP30, esvaziando nossas possibilidades de liderar o combate ao aquecimento global.
Vale lembrar que mesmo sem as facilidades que o PL 2159 oferece, já existem zonas de sacrifício impensável inclusive nas áreas mais desenvolvidas do Brasil Rural. Para citar um exemplo: estudo recentemente publicado pela professora Sonia Hess revelou que em 11 microrregiões da Bacia do Rio Uruguai (RS e SC) o uso de agrotóxicos determina que, ali, pessoas de todos os sexos apresentem taxas de mortalidade por câncer e suicídio, bem como incidências de anomalias congênitas, superiores aos índices médios nacionais. Naquela e em outras regiões para onde as “flexibilizações legislativas” estarão massificando e normalizando o sofrimento das famílias, em favor dos lucros das empresas, a leniência dos legisladores e governantes deve ser interpretada não como consentimento, mas sim como estímulo. E para mudar isso precisamos buscar, compreender, valorizar e multiplicar os anúncios.
Por limitação de espaço, e recomendando acesso aos informes nos sites da Campanha, da Associação Brasileira de Agroecologia, da Articulação Nacional de Agroecologia, vejamos tão somente o exemplo de duas atividades que ocorrerão nos próximos dias.
Em Porto Alegre (RS) (na Praça Marechal Deodoro 110), durante a próxima segunda-feira (26), às 16h, o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos promoverá, reunião aberta sobre a importância da aquisição de produtos de base agroecológica para alimentação de doentes em tratamento hospitalar. Será discutida a experiência do Hospital de Clínicas, já há alguns anos adota esta medida com expressivo sucesso terapêutico.
No Paraná, entre 2 e 7 de junho, o MST realizará sua 3ª Jornada da Natureza: Semeando a Vida para Enfrentar a Crise Ambiental. A atividade mobilizará cerca de 500 pessoas, várias parcerias institucionais, cooperativas e associações envolvidas em processo de construção coletiva de práticas educativas e produtivas amistosas em relação ao ambiente. Destaque-se a renovação de iniciativa que promove a distribuição, por helicóptero, de milhares de kg de sementes de espécies arbóreas ameaçadas de extinção, bem como plantios e recuperação de áreas degradadas, seminários, oficinas, feiras, conferências, atividades ambientais, inauguração de viveiros e hortos, entre outras.
Estes são apenas alguns dos anúncios emergentes, que apontam horizonte a ser buscado pela construção de consciência e protagonismo ativos, no rumo oposto das forças destrutivas patrocinadas pelos interesses do agronegócio predatório e seus agentes inseridos em instâncias de representação popular.
As eleições de 2026 serão decisivas para a vida no planeta e seus resultados dependerão do que vier a ocorrer nos espaços onde frequentamos. Não na COP, não em Brasília, mas ao nosso lado, em nossos grupos de ação.
Uma música: Chico Cesar, Reis do agronegócio.
*Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil do Fato.