Nesta semana eu não pretendia escrever sobre o Trump e a Famiglia Bolsonaro. Mas para registro vale observar que são alarmantes as novas ameaças de ações inclusive militares, norte americanas, direcionadas aos países da América Latina e Caribe. Aí estão, por exemplo, o deslocamento de barcos de guerra para a costa da Venezuela, o oferecimento de US$ 50 milhões pela captura e prisão do presidente Maduro (para combater o “narcoterrorismo”) e as ameaças de retirar bancos brasileiros do sistema Swift (comprometendo exportações, importações, recebimento e trocas de mercadorias e valores em escala internacional) a pretexto de honrar o MitoJair e suas atitudes.
Isto pode estar indicando que os povos da América do Sul e do Caribe foram escolhidos como bolas da vez, na radicalização dos padrões de desorganização global estimulados pelo governo dos EUA.
Sendo assim, pode estar deixando de ser impensável o desabamento de todos os parâmetros que dão segurança à vida dos povos latino-americanos.
Afinal, Trump parece ter escolhido Alexandre de Moraes e Maduro para o papel das figuras emblemáticas justificadoras de medidas (destinadas à ruptura de processos de desenvolvimento nacionais) que – se bem sucedidas – tendem a viabilizar a captura e a subordinação (ao governo norte-americano) de todas as américas e suas riquezas. Isso tudo indica que ele (o Trump) conta com o apoio de oportunistas e com a disseminação de um medo paralisante, alimentador de convulsões internas nos países escolhidos como seus cordeiros de sacrifício. E ele parece acreditar que com isso conseguirá protelar a queda do império norte-americano. Mas não vai funcionar. Até porque existem outros atores, e ele não está lidando com cordeiros.
Ainda assim, Trump parece empenhado naquela estratégia antiga e funcional que, evoluindo do bullying radical para uma espécie de envenenamento cancerígeno, se destina a roer por dentro o sistema imunológico dos organismos que ataca.
E é isso que vem animando aqueles seus golpistas de estimação (supostamente empoderados), a criarem problemas entre nós. Felizmente esta onda vai perder impulso daqui a dois domingos, diante na abertura do último ato da peça de julgamento dos mandantes da tentativa de golpe. E nisso há certo perigo porque agora, com a apreensão dos telefones do Jair e do Malafaia, aqueles ratos que ainda estão na moita vão reagir com fúria. Eles sabem que também serão desmascarados antes do navio afundar.
E o melhor a ser esperado tem a ver com o acúmulo de atitudes de inconformidade com o que Trump vem fazendo, por parte de atores mais relevantes do que o Judiciário Brasileiro, no jogo das nações. E é contando com isso, na expectativa de que as reações internacionais, na linha da globalização de uma esperança indignada e somada aos prejuízos de gigantes capitalistas (a Toyota por exemplo já anunciou perdas de U$ 9,5 bilhões), que estou me propondo a deixar de lado -por alguns instantes – a neurose especulativa trumpista-bolsonarenta, que tem nos dominado ao longo deste ano.
Proponho um outro assunto.
Um tema baseado no fato mais relevante que acompanhei esta semana: A Audiência Pública (AP) Glifosato nas Lavouras do Mato Grosso, realizada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT) em no último 19.
No fundo, e para fazer nexo com os primeiros parágrafos da coluna de hoje, posso escrever que aquela AP, por tratar do envenenamento das pessoas, dos ecossistemas, do método científico e das normas que orientam nossa sociedade e o sistema judiciário brasileiro, tem estreita ligação com nossa necessidade de enfrentamento aos agentes locais de oligopólios que corroem a saúde desta nação.
Evitando o nome dos expositores (mas recomendando que assistam a AP), vou resumir aqui alguns dos argumentos que mais me tocaram.
A discussão envolvia pedido de suspensão de uso de herbicidas a base de Glifosato (GLY), por agricultores do Mato Grosso (MT). Ela se justificaria pelo fato de que o Glifosato é o agrotóxico mais usado no Brasil (cerca de 250 milhões de litros/ano), com o MT ocupando, entre nós, a condição de estado recordista (segundo o IBAMA no MT, em 2023, foram comercializadas 46 mil toneladas daquele ingrediente ativo).
A demanda seria relevante por que os herbicidas a base de GLY, bem como um de seus adjuvantes (POEA) e também o principal resíduo de sua degradação (ácido aminometilfosfônico – AMPA), seriam muito perigosos para a saúde humana e ambiental. As evidências em relação a este fato apontariam danos à estrutura e à reprodução molecular, bem como à funcionalidade metabólica de vários tipos de sistemas, organismos e suas redes tróficas. A presença do GLY nos solos, na água, no ar e nos alimentos produziria efeitos cancerígenos, genotóxicos, reprodutivos e teratogênicos, que se somariam à impactos sobre relações de trabalho e ofensas/impedimentos a/de acesso (de terceiros) a direitos humanos constitucionalmente protegidos. As implicações sobre a vida de trabalhadores rurais e suas famílias em particular, bem como sobre habitantes vizinhos de áreas de lavouras submetidas à pulverizações com glifosato e ainda (também) sobre moradores de áreas urbanas (sem contato com atividades agrícolas), justificariam pedido de manifestação do Ministério Público do Trabalho, relativamente à necessidade de proibição daquele agrotóxico no estado do MT.
Este era o foco da audiência, onde foram escutados especialistas indicados por organizações favoráveis e contrárias àquela demanda.
As manifestações em contrário sustentavam que o pedido de proibição da utilização de herbicidas a base de GLY, no MT, sendo incompetente, discriminatória e inadequada, deveria ser rejeitada.
Alguns de seus principais argumentos técnico-jurídicos seriam: O pedido, se atendido, protegeria tão somente trabalhadores rurais que manuseassem o GLY para uso em lavouras. Entretanto, aquele agrotóxico também é utilizado em atividades pecuárias, em limpezas de ferrovias, etc. Além disso, se limitando ao MT, a proibição determinaria confusão em propriedades situadas nas “linhas de fronteira” (com parte de sua área por exemplo no MT e outra no MS, ou em GO), gerando dificuldade de precisão quanto à limitação de uso (em partes distintas de um mesmo estabelecimento rural). Portanto se trataria de demanda inconstitucional, que privilegiaria a alguns brasileiros, discriminando aos demais. Além disso, argumentaram que, se eventualmente entendida como aplicável para além dos trabalhadores rurais atuantes naquele estado, a demanda fugiria dos limites da competência do Ministério do Trabalho do MT.
Quanto aos danos à saúde humana, os argumentos contrários à demanda defenderam a insignificância de riscos. Sustentaram que o GLY seria seguro, inclusive porque sua ação seria específica sobre uma rota metabólica (de aminoácido) inexistente em animais. Também cobraram respeito às instituições públicas e privadas que ao longo de 50 anos têm assegurado aquela condição de inocuidade. Além disso, e relativamente à afirmativa da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), que classificou o GLY na categoria 2A, como um provável carcinógeno para humanos , o argumento foi de que tal risco seria equivalente àquele que ameaça a quem come um bife com batatas fritas.
Ademais, a eventual exposição de trabalhadores seria tão somente um problema de educação e fiscalização. Algo segundo eles totalmente evitável pelo simples respeito às normas de uso, atenção ao clima, treinamento de operadores, utilização de caldas pré-prontas (dispensando o manuseio), adoção de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Coletiva (EPC) já aprovados por sua eficácia preventiva, com os tecidos hidro-repelentes, máscaras, regulagem adequada e utilização de equipamentos autopropelidos com suas cabines herméticas, filtros e sistemas de ar condicionado.
Por último, argumentavam que não seria possível produzir alimentos sem utilização de químicos e que não existiriam alternativas mais seguras e mais econômicas do que o glifosato, para manutenção da pujança do agronegócio matogrossense. Em outras palavras, que o agronegócio nacional, as exportações, o PIB e o atendimento das necessidades alimentares do planeta resultariam extremamente ameaçados caso o uso do GLY deixasse de ser permitido, no estado do MT.
Naquela interpretação, a demanda da AP seria incompetente. Apoiada no desconhecimento e no desrespeito à ciência e às instituições responsáveis pelo tema, deveria ser rejeitada.
Se atendida, a proibição do GLY provocaria a perdas econômicas abissais e levaria à ampliação dos danos à saúde humana e ambiental, no Estado do MT.
De outro lado, os argumentos contra o uso do GLY, solicitando aprovação da demanda objeto da AP, foram mais específicos e objetivos.
Reafirmaram a importância de prioridade a conclusões de estudos científicos duplo cego e consistentemente revisados por pares. Lembraram que a justiça norte-americana já obrigou a Bayer a pagar bilhões de dólares em indenizações a pessoas afetadas de câncer, pelo uso do Glifosato. Também lembraram casos de fraudes comprovadas (ver Monsanto Papers) e situações indicativas de não isenção cientifica, por ocasião da seleção de evidências e da interpretação de resultados, em análises de riscos sistematicamente favoráveis aos interesses empresariais.
Destacaram a inadequação de avaliações mistificadoras da realidade e sua dominância em análises financiadas pelas empresas e utilizadas para sustentação da hipótese de inocuidade dos agrotóxicos, para a saúde humana.
Apontaram que os índices médios de consumo diário seguro (Ingestão Diária Aceitável (IDA) medidos em micrograma do ingrediente ativo/kg de peso vivo) passariam uma sensação de segurança equivocada, ampliando os riscos vivenciados por populações largamente heterogêneas em termos de estágio no ciclo de vida (bebês, gestantes, adolescentes, idosos, etc.) suscetibilidade genética (histórico familiar de predisposições hereditárias), ambiente de trabalho, condições de insalubridade, de exposição e de fragilidades socioeconômicas. Tudo isso se agravaria diante de combinações envolvendo aqueles e outros fatores, em sinergias relacionadas a misturas de venenos e formas de contaminação.
Também foi alertada a impossibilidade de controle de condições climáticas que provocam a deriva dos agrotóxicos, a insuficiência de fiscalizações/controle do uso e a ineficácia dos EPIs e EPCs, especialmente diante das pulverizações aéreas. Isto explicaria a quase onipresença de GLY em amostras de alimentos, da água da chuva e de reservatórios, de sangue, de urina e mesmo em células de fetos humanos supostamente protegidos pela barreira placentária. Trouxeram ainda dados referentes à evolução nas taxas de diversos tipos de câncer e outras afetações deletérias à saúde, bem como evidências de sua associação com o uso do glifosato e sua maior incidência em áreas dominadas por tecnologias dependentes de seu uso. Lembraram que os agrotóxicos são recentes na história da humanidade e que os argumentos de que a agricultura não sobreviveria sem eles, repetidos no caso do DDT, do Paraquat e outros venenos, têm sido sistematicamente desmentidos pela realidade
Finalmente, foram mencionados os custos sociais, humanos, éticos e morais decorrentes da atribuição de prioridade a interesses econômicos (no tema dos agrotóxicos) e de maneira desrespeitosa aos direitos e deveres constitucionais, presentes em certos meios acadêmicos e em determinadas instâncias dos poderes executivo, legislativo e judiciário. A atribuição e a competência do MPT, para tratamento da questão nos termos da AP foi reafirmada.
A reunião foi encerrada como começou.
Com elogios, compromissos e uma manifestação de que – a partir dali – seria novamente procurada uma solução de equilíbrio (claramente impossível de ser alcançada) entre os sentimentos e interesses ocultos nos argumentos sustentados por cada uma daquelas composições antagônicas.
Em minha interpretação, e aqui vai uma sensação estritamente pessoal: embora com aquela certeza amarga de que as vitórias morais são necessárias, mas insuficientes, avançamos.
E neste rumo acredito que tanto o glifosato como outros venenos e quem sabe até alguns daqueles comportamentos tóxicos, uma vez tratados com lucidez e responsabilidade cidadã, em algum momento serão banidos do território nacional.
Trata-se do que faremos pela ampliação da consciência e do número de pessoas atentas à necessidade de interpretarmos (e reagirmos) criticamente a padrões de comportamento coerentes (naquela AP e em todos os locais) com as atitudes de oportunistas (como Trump, Bolsonaro e outros) viciados em operar contra a ciência e suas verdades em permanente superação, contra a paz, a alegria e a saúde dos povos que habitam este país.
Enfim, e até por isso, acredito que a Audiência Pública (AP) Glifosato nas Lavouras do Mato Grosso não apenas trouxe avanços como também -e principalmente- serviu para evidenciar, de forma luminosa, o orgulho de termos entre nós pessoas como aqueles/as cientistas que ali estiveram, defendendo -contra o império e seus agentes – uma ciência digna e honestamente comprometida com a vida.
Uma música?
Em homenagem à eles, à elas e à luta que continua… na história do bem contra o mal, o Juízo Final. Nelson Cavaquinho.
Lembrete: É fundamental que em 2026 os senadores eleitos nos respeitem e mereçam nosso respeito. Fora golpistas! Sem anistia aos traidores, sem tolerância com os vendilhões da pátria.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato.