No último dia 1º de setembro, a juíza Patrícia Antunes Laydner, da Vara Regional do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proibiu o uso, na região da Campanha gaúcha, de herbicidas a base do ácido diclorofenóxiacético (2,4-D) .
A decisão se baseou em evidências científicas e dados de realidade que se acumulam há décadas e que, até aqui, vinham sendo desprezados por aqueles representantes da sociedade que controlam áreas chave dos Três Poderes.
O ineditismo, neste caso, se revela pelo seu afastamento em relação ao histórico de reclamos judiciais e tentativas de formulações legislativas protetivas a direitos constitucionalmente estabelecidos em defesa da saúde humana e ambiental que, quando examinados em oposição a direitos e interesses econômicos, sempre se resolveram em favor dos últimos.
Ocorreu aqui um deslocamento das disputas, que passaram ao campo exclusivo da economia. O reclamo de produtores de frutíferas (e dos ramos industriais a elas associados) trazia evidências inegáveis de que investimentos fundamentais para a reanimação econômica da Campanha Gaúcha resultavam inviabilizados pelo atendimento a interesses (sob todos os aspectos, de menor relevância) dos produtores de soja.
Num resumo rápido: os malefícios decorrentes do uso de herbicidas hormonais (e o 2,4-D é apenas um dos princípios ativos que precisam ser proibidos), cujo uso interessa aos sojicultores passaram a incomodar os vitivinicultores. Estes, aliados a outros setores relevantes da economia regional, demonstraram que o ascenso de uma via econômica promissora para a região da Campanha, baseada especialmente na agroindustrialização de produtores de macieiras, videiras, oliveiras e nogueiras, estava sendo inviabilizada.
Então, aquilo que já ocorria com a destruição de pessegueiros, caquizeiros e laranjeiras, com plantações de mandioca, melancia, melão, hortaliças e cítricos, envolvendo também a eliminação de espécies nativas como pitangueiras, e que já se sabia comprometedor da saúde das pessoas e dos animais, passou a ser visto de outra maneira.
Corretamente, e apoiada em argumentação consistente e muito bem justificada, a juíza Patrícia Laydner se posicionou em defesa dos interesses maiores.
E ao fazer isso jogando luz sobre externalidades e inconsistências científicas dos argumentos que defendem seu uso de agrotóxicos, ela nos convoca a estudar, compreender e apoiar sua decisão. E nos desafia a ir além.
Ela reabriu o debate sobre a construção de discursos maliciosos que insistem em apontar o uso de venenos, como instrumentos indispensáveis ao desenvolvimento gaúcho. Neste sentido, passamos a nos defrontar com a necessidade de mobilizações que permitam ampla reavaliação do perfil, do comportamento e das intencionalidades que carregam aqueles representantes dos poderes legislativo, executivo e judiciário comprometidos com a defesa de normativas que não fazem sentido no mundo real.
E elas são muitas. Afinal, ninguém de boa fé e com um mínimo de informação científica pode ignorar que não há segurança no uso de agrotóxicos. Os limites técnicos estabelecidos para a presença dos ingredientes ativos, na água, nos alimentos e nos corpos humanos respondem a critérios políticos. Não há nada de cientificamente robusto em orientações para uso “correto” que exigem respeito a condições climáticas incontroláveis. Que fazem pouco caso das recomendações envolvendo misturas toxicas, com impactos distintos sobre organismos tão desiguais como gestantes, fetos, adolescentes e idosos.
A isso se somam legislações que ignoram o amplo desrespeito (e a ausência de fiscalização) à normativas tão impraticáveis como aquelas relacionadas aos Equipamento de Proteção individual e Coletiva, que ninguém vê nas áreas de produção. Estas e outras falácias, que vão longe, foram suficientemente (mais uma vez) demonstradas em recente audiência pública sobre pedido de proibição do uso de herbicidas a base de glifosato, no Mato grosso. Comentamos isso em coluna anterior.
Para concluir. Esta decisão sobre o 2,4-D revela que é possível reagir aos mecanismos que impõem um jogo desleal, previamente roubado, protegido por normas aparentemente de base técnica, mas que não passam de artimanhas políticas construídas por defensores locais de interesses de oligopólios de abrangência internacional. Existem legisladores que conseguem abrir espaços no cipoal construído por serviçais encarregados da validação de interesses opostos à vida, e sim, podemos contar com juízes que não caem em armadilhas ficcionais que conferem validade a regras que contrariam a realidade.
Então, e considerando a onipresença de interesses relacionados ao uso de agrotóxicos no governo gaúcho e nas bancadas legislativas que dominam este país, não podemos simplesmente comemorar este e outros motivos de otimismo.
Precisamos entrar em campo.
Os legisladores que destruíram a lei gaúcha dos agrotóxicos, que aprovaram o pacote do veneno, e que contam com a renovação de apoios financeiros à suas ambições, estarão mobilizados contra avanços civilizatórios como este delineado pela corajosa decisão da juíza Patrícia Antunes Laydner.
Nos resta uma alternativa, e se aproxima uma espécie de oportunidade derradeira para sua implementação. Ou bem conseguiremos, via mobilização e esclarecimento social, alterar a correlação de forças representadas no congresso ou, independente dos governos em exercício, criminosos locais manterão o Estado sob controle e a serviço de interesses internacionais.
As disputas de perspectivas econômicas contraditórias, reveladas neste caso do 2,4-D (que ainda está longe de se resolver) indicam fragilidades que se repetem na disparidade de reações ao tarifaço de Trump e no recrudescimento das coligações golpistas destinadas a bloquear avanços do governo Lula, a anistiar golpistas e a paralisar avanços que o STF vem delineando, na direção dos financiadores da intentona fracassada.
Uma música? O que se cala, de Elza Soares.
Por isso, resta reafirmar: É fundamental que façamos nossa parte nas eleições de 2026. Precisamos eleger senadores e deputados que nos respeitem e mereçam nosso respeito.
Fora golpistas! Sem anistia aos traidores, sem tolerância com os vendilhões da pátria.