Impossível tratar de outro assunto. Todos condenados. Inclusive o ministro Luiz Fux, que fez o que pode para reanimar a sanha dos golpistas e suas esperanças de retorno da ditadura, sobre nós. Este último, ao desprezo, à vergonha.
Com as falas e decisões trazidas pelos votos de Cármem Lucia e Cristiano Zanin, somados aos posicionamentos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino, as respostas estão dadas. Os criminosos estão condenados. No geral, sem referir as multas: tenente-coronel Mauro Cid, pela colaboração premiada, a dois anos em regime aberto. Os demais, em ordem decrescente de responsabilidade e pena: ex-presidente Jair Bolsonaro, a 27 anos e 3 meses de cadeia; general Braga Netto, ex-ministro da Defesa a 26 anos e 6 meses; ex-ministro da Justiça, delegado Anderson Torres a 24 anos; almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha a 24 anos; general Augusto Heleno; ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) a 21 anos; general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, ex-comandante do Exército, ex-ministro da Defesa a 19 anos ; deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem a 16 anos. E ficam inelegíveis por mais 8 anos, após a pena.
O que virá a partir de agora, depende de nós.
Por isso, vale recuperar alguns pontos que devemos ter presente para desmascaramento do que Fux disse e tentou fazer valer, e que podemos ajudar outras pessoas a entenderem, nos espaços onde atuamos (e onde aquelas hipocrisias podem reverberar).
Não sabemos os motivos e interesses que levaram o ministro Fux a fazer o que fez. Mas o fato é que nesta quarta-feira (10), ele garantiu um lugar de destaque na história nacional das infâmias. Ele com certeza sabe para onde está indo e possivelmente preparou isso de forma cuidadosa, talvez com o estímulo de padrinhos que o tempo dirá quem são.
Aliás, para evitar tropeços e antes de discursar por 12 horas, Fux garantiu ausência de contrapontos. Os outros ministros não poderiam interrompê-lo. E logo ao início da longuíssima exposição tratou de conquistar seu público-alvo. Fez isso acatando todos os argumentos de advogados que negaram a participação de seus clientes nos crimes que Fux (após participar da condenação de 400 pessoas) negou existirem.
Ele ainda afirmou que decisões das quais havia participado ativamente teriam sido tomadas em instância inadequada. O Supremo Tribunal Federal (STF), diretamente atacado pelos golpistas, e especialmente aquela turma que com a participação ativa dele, Fux, havia enviado centenas de pessoas para a prisão, a seu juízo não poderia repetir aquilo com os líderes da organização criminosa.
Ademais, os crimes não existiriam. Aquele esforço de milhares de horas de trabalho de servidores públicos, resumido nos autos, seria inútil e tolo. Em relação àqueles golpistas em particular (a exceção do tenente-coronel Mauro Cid e do general Braga Netto, em um ponto específico e de forma parcial), só haveria suposições. Supostas reuniões organizadas por uma suposta organização criminosa, orientada para a realização de supostos crimes, identificados através de supostas provas.
Por exemplo, a ilação de que o quebra-quebra de 8 de janeiro se relacionaria a manifestações de Bolsonaro não passaria de erro de leitura. Isso porque Bolsonaro teria agido de forma sistemática no sentido oposto, visando desestimular o que quer que fosse. Naquela manifestação (entendida por Fux como democrática), a insatisfação de populares com a posse de Lula, agravada por frustração diante da ausência de um comando que esperariam por parte de Bolsonaro, e que ele se recusou a dar em respeito à ordem democrática, explicariam os acontecimentos. Para Fux, supor o oposto, acreditar que Bolsonaro teria estimulado aquele vandalismo, seria algo tão errado quanto acusar o PT de haver motivado Adélio Bispo a praticar a facada que elegeu Bolsonaro.
Aliás, também seria equivocada a suposição de que a polícia rodoviária federal teria atuado de maneira antidemocrática, trancando estradas, segurando carros e ônibus, para restringir acesso às urnas em municípios chave do nordeste. Ao contrário, aquelas ações visavam dar segurança às eleições, com os bloqueios para vistorias de veículos sendo decididos em cada região, de forma descentralizada e não conectada ao poder central.
Bolsonaro e os outros líderes menores da organização criminosa seriam inocentes de crimes inexistentes pelo simples fato de que tal organização nunca teria existido.
E se eventualmente alguém houvesse pensado com intenções criminosas, a ausência de ações finalísticas não poderia ser condenada, mas sim premiada. Nesta leitura, a punição de golpistas que desistiram da execução de um golpe motivaria futuros golpistas a irem até o fim, anulando estímulos orientados em favor da paz.
Por outro lado, diante da impossibilidade de sustentar a inexistência de ações criminosas no caso do punhal verde amarelo, após exposição dos “pensamentos digitalizados” do Mario Fernandes, envolvendo dinheiro e bazuca para explodir o Alexandre de Moraes, Fux reconheceu, ali, a programação/execução de ações criminosas por parte da organização criminosa inexistente. Mas Bolsonaro não teria responsabilidades. O ocorrido resultaria de atitudes de seu vice, o general Braga Netto, e de seu capacho, o tenente-coronel Cid. O curioso aqui é que aquele office boy de luxo, com histórico de menino prodígio, candidato a líder das forças especiais (os kids preto), acabou encaminhado para uma queima de arquivo. Com um malabarismo que só o tempo esclarecerá, Fux aceitou a validade e relevância das denúncias expostas pelo tenente-coronel Cid ao mesmo tempo em negou a existência dos crimes ali apontados e manteve os benefícios oferecidos ao general Cid e a outros familiares do delator.
Com foco em seu plano de ação, Fux alterou a ordem alfabética das avaliações. Ao votar pela inocência do Jair Bolsonaro, antes de examinar os casos do almirante Almir Garnier, do general Augusto Heleno e de Anderson Torres, ele garantiu exposição de sua performance em todos os jornais noturnos do cone sul.
Dormiu tranquilo naquela noite.
Nós não.
O voto de Fux havia reanimado o golpe, recolocando aquelas possibilidades de erosão democrática, de prisões em massa, de entrega do Brasil aos interesses externos. As pressões pela anistia e pela validação da cobiça norte americana pelas riquezas nacionais se ampliavam e já não sabemos onde isso pode parar. E, além disso, ele se recolocou no mercado, agora como a mais nova liderança da extrema direita.
Ao ligar sua história e seu nome à vergonha que agora o acompanhará até o fim dos dias, Fux deve ter agido em favor de alguma visão de futuro, que lhe pareceu compensatória. Algum dia saberemos.
No presente, e porque felizmente Cármen Lúcia, Zanin, Dino e Alexandre não são samambaias e agiram rápido, todos os líderes da organização criminosa estão condenados. Faltam os outros, assim como faltam aqueles golpistas que se beneficiaram ou pensavam se beneficiar, que financiaram ou pensavam ter investido para obter ganhos futuros, com o golpe frustrado. Eles vão reagir e precisamos estar preparados.
Teremos que enfrentá-los, desde agora, com a firmeza e coragem dos juízes do STF que fizeram sua parte. Carmen Lúcia, Zanin, Dino e Alexandre agiram como pessoas comprometidas em ampliar a alegria e a paz compartilhada pelos que se sabem donos da própria voz.
A história está sendo construída e nosso papel, nesses dias, não será esquecido.
E em relação aos que se submetem ao papel de biombo, dando eco e amplificando vozes alheias, uma música do Chico.
Por isso, resta reafirmar: É fundamental que em 2026 os deputados e senadores eleitos nos respeitem e mereçam nosso respeito. Fora golpistas! Sem anistia aos traidores, sem tolerância com os vendilhões da pátria.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.