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Ainda estou aqui (re)inaugurou o debate por memória, verdade e justiça, mas temos outras histórias para contar

A batalha das ideias é dura, devemos aproveitar as oportunidades para fazer o debate avançar à favor do povo

Primeiro quero dizer que o debate por memória, verdade e justiça nasceu no dia após o encerramento da ditadura civil-militar brasileira, na qual se anistiou equivocadamente os militares que torturam barbaramente, assassinaram e desapareceram com os restos mortais de brasileiras e brasileiros que ousaram não calar diante de tanta violência.

Para efeito de ilustração, vamos retomar algumas ações bem anteriores ao filme e mesmo ao livro de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2015. Uma dessas ações foi a luta histórica da Federação do Movimento Estudantil de História, fundada em 1987, que entre outras coisas reinvindicou a abertura dos arquivos da ditadura, ação que outros países realizaram após a derrota dos governos ditatoriais em suas nações.

Outro momento importante no Brasil, foi a nacionalização do Levante Popular da Juventude, que entre 2011 e 2012 realizou diversos escrachos contra torturadores por todo o país, que vivem impunes, recebendo altos salários do Estado as custas de nossos impostos. Metodologia de denúncia que o movimento utiliza até os dias atuais, quando aproveitou a onda de debates que o filme Ainda Estou Aqui gerou para escrachar um dos envolvidos na tortura e assassinato de Rubens Paiva.

Para citar apenas mais um exemplo, temos a criação da Comissão da Verdade pela presidenta Dilma Roussef, que só conseguiu ser aprovada no Congresso Nacional quando foi retirada a dimensão da justiça de seu escopo. Foi então que os trabalhos expuseram a maior parte dos crimes perpetrados contra o povo, mas não pode punir os responsáveis, mesmo sabendo quem são e as atrocidades que cometeram.

Aí vocês podem me perguntar porque diabos estou falando tudo isso. Pois bem, tenho achado um movimento estranho em diversos parlamentares proporem a distribuição do livro na rede pública de seus estados. Vejam, não estou dizendo que sou contra, ou que seja uma proposição ruim, mas eu de verdade acho uma proposição limitada e ao que me parece muito movida pelo modismo e agitação nas redes, sobretudo envolvendo a questão do Oscar e demais premiações.

Que massa o filme ter tomado a proporção que alcançou, que se tornou um dos 10 filmes nacionais mais assistidos dos últimos 100 anos, que veio no contexto da tentativa de golpe de Bolsonaro e sua laia contra o governo Lula democraticamente eleito, que discute uma questão essencial para que o povo assuma as rédeas de sua história, que é a memória.

Entretanto, do ponto de vista da batalha das ideias, os parlamentares de esquerda, assim como os governos, deveriam era propor a distribuição de outras obras, que dialoguem mais diretamente com os próprios estados, com temas específicos como das violências contra mulheres e crianças que tinham requintes de crueldades específicos, da luta organizada, realizar debates nas câmaras de vereadores, nas assembleias estaduais e no parlamento nacional. O MinC poderia lançar um edital para que outras histórias pudessem ser contadas em livros, filmes, podcasts e no que mais fosse possível.

Poderia ser o momento para aproveitar a onda de discussão e ampliar o debate, trazer outras referências, mostrar como o buraco é bem mais embaixo e que a extrema direita bolsonarista é a continuação dos torturadores. É a mesma galera que estava estimulando atos golpistas, que defende uma estrutura de segurança pública que de segurança não tem nada, é a mesma galera que mandou matar Marielle Franco, Zé Maria do Tomé, Dorothy Stang, Chico Mendes e tantas outras pessoas lutadoras por um Brasil mais justo.

O efeito do filme já estava fazendo a procura pelo livro Ainda Estou Aqui aumentar, basta olhar nas listas de grandes varejistas da internet, então vamos propor que outros materiais circulem, que outros materiais sejam produzidos, enfim, bora ampliar o debate e não restringí-lo.

Para finalizar, sugiro alguns outros títulos que li e considero valer a pena procurarmos conhecer:

-Rebeldes de Silvio Mota (Expressão Gráfica)

-Eu não sou cachorro não: música popular cafona e ditadura militar de Paulo Cesar de Araújo (Record)

-Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo de Mário Magalhães (Companhia das Letras)

Helenira Resende e a guerrilha do Araguaia de Bruno Ribeiro (Expressão Popular) Na verdade todos os livros da série Viva o povo brasileiro da Expressão valem muito a pena e vários dele tratam da ditadura.

-Diário de um cucaracha de Henfil (Record)

-Batismo de sangue: guerrilha e morte de Carlos Marighella de Frei Betto (Rocco)

Isso para citar apenas alguns livros importantes que tratam do tema de formas distintas, indo do perfil de Helenira ao relato autobiográfico de Frei Betto, passando pelas cartas de Henfil, pela pesquisa sobre a música brega de Paulo Cesar.

Eu particularmente acho que as e os parlamentares cearenses deveriam olhar com especial atenção para livros como o de Silvio Mota, nosso conterrâneo, que fez parte da Ação Libertadora Nacional (ALN) de Marighella e resistiu a ditadura em Fortaleza.

A batalha das ideias é complexa e cotidiana, devemos aproveitar todas as oportunidades que a conjuntura nos proporciona para fazer o debate avançar à favor da classe trabalhadora e da construção de base social para a revolução brasileira.

*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

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