Durante o evento WTM Latin American, uma feira internacional de viagens e turismo, realizada em São Paulo entre os dias 14 a 16 de abril, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) lançou o projeto “Estrada Cênica do Espinhaço”.
A proposta engloba a rota de Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), até Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, passando pelas cidades de Jaboticatubas, Santana do Riacho, Morro do Pilar, Congonhas do Norte, Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Alvorada de Minas, Santo Antônio do Itambé e Serro.
Segundo a secretaria, o objetivo do projeto é dar visibilidade para a região e estimular o turismo. A iniciativa é fruto de uma parceria com as prefeituras e a mineradora Anglo American.
Todos que passam por esse trajeto se encantam com as belezas das serras. A diversidade do cerrado, as belas cachoeiras, a receptividade acolhedora das comunidades, por meio da fenomenal culinária mineira, e as montanhas douradas nos fins de tarde são marcantes.
Avanço da mineração ameaça patrimônio
Entretanto, é uma preocupação, cada vez maior, de toda a região o avanço destrutivo e acelerado da mineração nos territórios.
A multinacional Anglo American, mesma empresa que tem apoiado o projeto da estrada cênica, tem afetado de maneira irreversível os municípios de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Alvorada de Minas.
A cena nos territórios é de terror, com a serra toda destruída, umas das maiores barragens de rejeitos do mundo — em vias de ser ampliada — comunidades tradicionais sendo expulsas, povo sem água, nascentes secando, cursos d’água contaminados e um crescimento desordenado das cidades, com ampliação de violência, precarização dos serviços públicos e deterioração da saúde.
Comunidades sofrem os impactos
Em audiência realizada no dia 7 de abril, em Conceição do Mato Dentro, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a partir de requerimento da deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), as comunidades puderam relatar como está as condições de vida após mais de dez anos de operação do projeto Minas-Rio, da Anglo American.
As pessoas denunciaram como as famílias estão perdendo seus vínculos; crianças deixando de ir para escola; moradores sem acesso a serviços básicos, convivendo com barulhos, vibrações e poeira de explosões diárias; falta de água e pânico provocado por sirenes acionadas, enquanto a mineradora lucra bilhões por ano.
Se não bastasse todos os impactos do projeto Minas-Rio — que engloba a cava, a barragem de rejeitos, a planta de beneficiamento e o maior mineroduto do mundo, que leva um volume colossal de água para transportar o minério —, a Anglo American, em parceria com a Vale, está tentando licenciar a mina Serpentina, um enorme projeto de exploração de minério de ferro que quer ocupar uma área de mais de 5,3 mil hectares entre as cidades de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Morro do Pilar.
O projeto prevê uma cava de mais de 30 km de extensão no topo da serra e a instalação de um mineroduto, para escoar a produção até Nova Era. Caso esse empreendimento seja instalado, causará impactos imensuráveis na cordilheira do Espinhaço, destruindo os aquíferos, desconfigurando a paisagem e tornando o ambiente da região ainda mais insalubre.
Violação de povos tradicionais
Em Morro do Pilar, além do projeto de Serpentina, há outro gigantesco projeto de exploração mineral, conduzido pela mineradora MOPI Mining, que também pretende extrair minério de ferro. A proposta visa ocupar uma área de cerca de 40% do território do município, com cavas, pilhas de rejeitos, planta de beneficiamento e barragem de sedimentos.
A tentativa de instalação dessa mina é antiga e polêmica, pois afetará os modos de vida de comunidades tradicionais, será necessário desmatar grandes trechos de mata atlântica primária, ameaça sítios arqueológicos, destruirá os aquíferos que garantem o abastecimento de água para a cidade e comunidades rurais, além de impactar também o Parque Nacional da Serra do Cipó, conhecido como o “jardim do Brasil”.
Se o projeto for instalado, da estrada que liga a Serra do Cipó até Conceição do Mato Dentro será possível visualizar todo o rastro de destruição, impactando severamente a proposta de estrada cênica do Espinhaço.
Seguindo a estrada, entre os municípios de Santo Antônio do Itambé e Serro, bem próximo ao Pico do Itambé, as mineradoras Herculano e Ônix tentam licenciar cavas de minério de ferro que irão prejudicar comunidades quilombolas, comprometer os cursos d’água, afetar os modos de vida, com a intensa movimentação de caminhões, e danificar a produção artesanal do queijo do Serro.
Os projetos, cheios de irregularidades, somente não foram implementados, devido à forte mobilização popular das comunidades que resistem em defender seus territórios e lutar por alternativas que melhorem a qualidade de vida da região.
A situação continua em aberto, com as empresas insistindo na instalação das minas e agindo com uma conduta violenta, por meio da violação sistemática dos direitos das comunidades.
A prefeitura do Serro, lamentavelmente e de maneira absurda, tem se colocado como uma grande aliada da mineração predatória na região. Recentemente, comunidades quilombolas próximas aos distritos de Milho Verde e São Gonçalo do Rio Abaixo foram alertadas de que o poder municipal concedeu autorização para exploração de bauxita, que afetará seus territórios.
Ao mesmo tempo, a comunidade de Capivari, que acolhe a especial cachoeira Tempo Perdido, se vê ameaçada com a possível retomada da mineração de quartzito.
Patrimônio mundial ameaçado
No ponto final da estrada, em Diamantina, reconhecida pela Unesco como patrimônio mundial, a mineradora Etgran tenta licenciar uma mina de minério de ferro com capacidade de 300 mil toneladas por ano.
O projeto Mosquito, que faz referência ao rio que será afetado pela mineradora, fica bem próximo ao Parque Estadual de Biribiri, importante atrativo turístico da região e um patrimônio para Minas Gerais. Além da Etgran, outras diversas mineradoras estão tentando licenciar projetos de mineração em Diamantina.
A Cordilheira do Espinhaço é um patrimônio da humanidade, permeada pelos biomas da caatinga, cerrado e mata atlântica, e abriga locais encantadores e uma biodiversidade única.
As comunidades tradicionais, com suas inúmeras expressões e modos de vida, demonstram a enorme riqueza cultural da região, ainda premiada com sua típica culinária mineira. E, mesmo com toda essa relevância, vamos abrir possibilidade para deteriorar todo esse patrimônio e destruir a beleza cênica do Espinhaço por projetos de mineração?
Mobilização é essencial
O projeto Estrada Cênica do Espinhaço pode ser um instrumento importante para ampliar a visibilidade da região e alavancar o turismo. Mas é preciso coerência, pois o governo que apresenta essa proposta é o mesmo que tem licenciado a mineração de maneira acelerada, sem limites e expansionista, afetando comunidades e destruindo a natureza em todo o estado.
Precisamos de políticas públicas que estimulem o turismo sustentável, dê melhores condições e incentivos para as comunidades reproduzirem seus modos de vida em sinergia com o ambiente, além de ampliação de medidas para proteção ambiental contra os projetos que não possuem vocação no território e são antagônicos à conservação desse patrimônio.
A estrada do Espinhaço está em risco, mas não está perdida. É necessária ampla mobilização para lutar por melhorias na condição de vida da região e restringir esses projetos de mineração que ameaçam nosso patrimônio.
Luiz Paulo Siqueira é biólogo e coordenador nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
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