Por Mabel Dias*
O Congresso Nacional, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), deu novos passos contra os direitos humanos – pasmem! – na mídia ao defender que programas policialescos continuem a ser exibidos na TV aberta no horário comercial, ou seja, das 6h às 22h. O relator da proposta legislativa, senador Eduardo Girão (Novo-CE), arquivou o documento, que propunha a transmissão desses programas após as 22h. O principal argumento do senador foi “a defesa da liberdade de expressão.”
A proposta legislativa foi enviada ao portal e-Cidadania em 2020, e sugeria que os policialescos fossem ao ar após as 22h, por violarem direitos humanos. A proposta obteve 22.048 votos, mesmo assim, foi arquivada pelo relator.
Uma das principais pesquisas realizadas sobre esses programas, organizada pela Andi – Comunicação e Direitos, em parceria com o coletivo Intervozes, a entidade Artigo 19 e o Ministério Público Federal, publicada em 2015, identificou em apenas um mês, nove violações aos direitos humanos e às leis brasileiras, causadas pelos programas policialescos nas cinco regiões do país.
Dentre elas, destaca-se o desrespeito à presunção de inocência, a incitação ao crime e a violência, exposição indevida de família, discursos de ódio e preconceito de raça. A pesquisa completa pode ser baixada no site do Intervozes.
Nesse contexto, acrescentamos a essas violações, a desinformação sobre os direitos humanos e a violação aos direitos das mulheres, veiculadas, diariamente, pelos policialescos. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) não são divulgadas por esses programas, e as mulheres vítimas de violência de gênero são responsabilizadas e alvos de comentários e ofensas machistas pelos apresentadores, como mostra o Guia de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: diretrizes para uma cobertura responsável, produzido pelo Intervozes, a Secretaria de estado da Mulher e da Diversidade Humana, o Observatório Paraibano de Jornalismo e a Rede de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica da Paraíba (REAMCAV).
Em 2021, o Intervozes, o Instituto Alana e a Andi produziram uma nova pesquisa sobre os programas policialescos, desta vez, para analisar se eles violavam os direitos das crianças e adolescentes. O monitoramento identificou, no período de um mês, violações a normas nacionais e internacionais, com a reincidência das violações à presunção de inocência, exposição indevida de crianças e adolescentes em conflito com a lei e a incitação ao crime e à violência. A exposição da imagem e da família de adolescentes, vítimas de violência, também foi identificada pela pesquisa. Violações essas que já tinham sido apontadas no monitoramento realizado em 2015.
Os programas policialescos, que têm como “linha editorial” a prática do sensacionalismo, a divulgação de discursos de ódio, desinformação e violação aos direitos humanos, fogem completamente ao que estabelece a lei máxima brasileira
Exibidos em horários considerados nobres, na programação das principais emissoras brasileiras e em suas afiliadas, os programas policialescos desrespeitam um dos principais artigos da Constituição Federal, o 221, que estabelece como princípio para a programação das emissoras de TV e de rádio no Brasil a produção de conteúdo informativo, educativo e cultural.
Dessa forma, os programas policialescos, que têm como “linha editorial” a prática do sensacionalismo, a divulgação de discursos de ódio, desinformação e violação aos direitos humanos, fogem completamente ao que estabelece a lei máxima brasileira, e por isso, não poderiam estar presentes na grade da programação das emissoras de radiodifusão.
A advogada e diretora da Andi, Ana Potyara, considera uma falta de coragem do poder legislativo em encarar esse problema e proteger a sociedade. “Os programas policialescos não têm um caráter jornalístico, são programas que atentam contra os direitos humanos e os direitos fundamentais. Essa atitude demonstra o quanto o senado não está alinhado a uma norma fundamental da constituição federal, que é o artigo 227, que diz que crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta quando pensar em políticas públicas, ações, programas, e que devem estar a salvo de qualquer tipo de violação. E essas crianças estão sendo expostas a violação porque estão sendo expostas a cenas de violência exibidas por estes programas”, afirma.
Sobre o argumento da liberdade de expressão, utilizado pelo senador Girão para defender a exibição destes programas na TV aberta e em horário acessível a crianças e adolescentes, a advogada afirma que a liberdade de expressão não é considerada no Brasil um direito absoluto, principalmente, quando é usada para defender discursos de ódio e incitação à violência, conteúdos presentes nestes programas, como bem demonstram as pesquisas realizadas sobre os policialescos, apresentadas neste texto.
*Mabel Dias é jornalista, associada ao Coletivo Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, mestra em Comunicação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Autora do livro A Desinformação e a Violação aos Direitos Humanos das Mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional , publicado pela editora Arribaçã.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.
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