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A coluna tem o objetivo de realizar uma análise precisa por uma mídia ética, humanizada e sem violações dos direitos humanos. Autora: Mabel Dias é jornalista, associada ao Intervozes – Coletivo ...ver mais

Desinformação de gênero é estratégia para deslegitimar a luta das mulheres

Por Mabel Dias*

Esse tipo de prática tem sido comum nas plataformas digitais contra as mulheres, em particular, contra as feministas

Circula em plataformas digitais, como o Instagram, um boato que o agressor Igor Cabral, que tentou matar a namorada com 61 socos no rosto, estaria recebendo de outras mulheres, e-mails e mensagens em suas redes sociais para visitá-lo na prisão e propondo casamento, mesmo ele estando preso por tentativa de feminicídio. A informação está sendo divulgada por programas policialescos (para variar!) e por perfis que se auto proclamam jornalísticos.

Perfis misóginos, coordenados por masculinistas, já começaram a gravar vídeos e atacar essas mulheres, generalizando que isso faz parte do comportamento feminino. Nem sequer verificaram se a informação é verdadeira ou não. Mas, isso não importa para grupos misóginos. O que interessa é a propagação do ódio em relação às mulheres, culpabilizando-as pela violência, e atribuindo ao gênero feminino um comportamento de defender “homens bandidos”.

Sim, alguns desses perfis condenaram a violência misógina de Igor Cabral, mas negam que exista o crime de feminicídio.

A Agência Pública publicou, em julho deste ano, uma série de reportagens sobre uma produtora de vídeos da extrema direita que realizou um documentário divulgando informações falsas sobre a tentativa de feminicídio contra a farmacêutica Maria da Penha, que tornou-se símbolo do combate à violência contra as mulheres no Brasil, dando nome à lei que protege as mulheres da violência doméstica e familiar no país. As reportagens são assinadas pela jornalista Amanda Audi e apresentam uma investigação conduzida pela Procuradoria Geral do Ceará sobre a produtora, que tem atuado para desacreditar a ativista e invalidar a lei.

No próprio Instagram, há diversos perfis masculinistas – inclusive protagonizado por mulheres – que atacam a Lei Maria da Penha, e afirmam, com base em dados falsos, que os homens são as verdadeiras vítimas da violência e as provas nos processos da Lei Maria da Penha são forjados pelas mulheres para obter vantagens.

A ativista feminista e professora de Letras da Universidade Federal do Ceará, Lola Aronovich, também é um dos alvos dos ataques masculinistas nos ambientes digital e “real”. Esses grupos misóginos publicaram em diversos lugares, nas cidades onde moram, cartazes difamando-a e ameaçando-a de morte, relacionando o feminismo a uma doença e até ao satanismo. O apresentador de programa policialesco, Sikêra Júnior publicou em uma de suas redes sociais, em 2021, um desenho grotesco que associava o feminismo a um transtorno mental, e induzia os seus seguidores a se posicionar contra o aborto. A publicação foi feita para instigar a população a ficar contra a decisão legal, que dava o direito a uma menina de 11 anos, vítima de estupro, realizar o procedimento. Os ataques misóginos contra Lola também foram publicados em fóruns anônimos, os chans, nas redes sociais e blogs masculinistas. Grupos como os Incells (celibatários involutários), além de ameaçarem a professora de morte, enviam para ela mensagens, responsabilizando-a pelos ataques que realizam, informando o resultado deles.

Esse tipo de prática tem sido comum nas plataformas digitais contra as mulheres, em particular, contra as feministas e aquelas que denunciam violência cometida pelo marido ou namorado. Na pesquisa, Aprenda a evitar “esse tipo” de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube, lançada pelo Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais do NetLab (UFRJ), em dezembro de 2024, a professora Marie Santini e sua equipe, apresentou um novo conceito para explicar a divulgação de conteúdo falso por parte desses grupos masculinistas na internet: a desinformação de gênero, que consiste na divulgação de conteúdos falsos, enganosos ou manipulados para depreciar, atacar, prejudicar qualquer pessoa com base em seu gênero, reforçando estereótipos e contribuindo com as desigualdades. As mulheres e a população LGBTQIAPN+ é o público mais atacado pelos masculinistas nas plataformas digitais.

A fabricação dessa notícia, que enaltece a masculinidade tóxica desse agressor, é mais uma estratégia dos grupos masculinistas nas redes digitais para atacar os direitos e as conquistas das mulheres, como a Lei Maria da Penha, com o intuito de reforçar o patriarcado, e legitimar a dominação dos homens sobre elas, seja de maneira simbólica ou não. Patriarcado este que é responsável pela morte de 10 mulheres, por dia, no Brasil, segundo o Atlas da Violência 2025.

*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, doutoranda em Comunicação pela UFPE, associada ao Coletivo Intervozes, autora do livro A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã). Pesquisa gênero, desinformação e violação dos direitos humanos das mulheres na mídia.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.

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