Ouça a Rádio BdF
A coluna tem o objetivo de realizar uma análise precisa por uma mídia ética, humanizada e sem violações dos direitos humanos. Autora: Mabel Dias é jornalista, associada ao Intervozes – Coletivo ...ver mais

Defender o diploma de jornalista também é agir contra os programas policialescos

Por Mabel Dias*

A maioria dos apresentadores e repórteres desses programas não tem o diploma de jornalistas

A falta de ética é apenas um dos problemas encontrados nas reportagens veiculadas por programas policialescos na TV. E a ética é uma das regras básicas do jornalismo. Mesmo que se considerem como jornalísticos, os policialescos adotam uma estética do grotesco, como afirma Muniz Sodré, para aumentar e manter a sua audiência, que vai contra o que diz o Código de Ética das/os Jornalistas Brasileiras/as.

Em seu artigo 6º, inciso I, o código diz que as/os jornalistas devem “opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.” No mesmo artigo, inciso XI, o documento estabelece que a/o jornalista deve “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial, as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias.”

Já em seu artigo 11, inciso II, a/o jornalista não pode divulgar informação de caráter mórbido e de maneira sensacionalista, que vá contra os valores humanos, particularmente na cobertura sobre crimes e acidentes. E é o que mais os policialescos fazem, rasgando assim um dos principais documentos que norteiam a profissão de jornalistas no Brasil.

Desrespeito à presunção de inocência, exposição de imagens de crianças e adolescentes, racismo, misoginia, desinformação sobre os direitos humanos, apologia ao crime e à violência, violação de leis e tratados internacionais assinados pelo Brasil que preservam os direitos humanos das pessoas mais vulneráveis, LGBTfobia, exposição indevida de famílias, discurso de ódio. Essas são as principais violações praticadas pelos policialescos. Algumas delas foram identificadas na pesquisa Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizada em 2015 e 2016, que resultou na publicação de três volumes com os dados da pesquisa. O material completo está no site do Intervozes, na aba biblioteca.

A Constituição Federal é outro documento desrespeitado pelos policialescos. No capítulo voltado à Comunicação Social, artigo 221, inciso I, está estabelecido que os meios de comunicação no Brasil devem divulgar conteúdo educativo, informativo e cultural, tudo que não é veiculado pelos policialescos.

Essas pessoas [apresentadores e repórteres] usam os policialescos como trampolim para suas carreiras políticas, com bandeiras que violam os direitos humanos de mulheres, população negra, indígenas, pessoas pobres e periféricas. E se elegem!

A maioria dos apresentadores e repórteres desses programas não tem o diploma de jornalistas, mas seus salários são, geralmente, superiores a um de um jornalista com diploma. Além disso, essas pessoas usam os policialescos como trampolim para suas carreiras políticas, com bandeiras que violam os direitos humanos de mulheres, população negra, indígenas, pessoas pobres e periféricas. E se elegem!

O Intervozes conta com diversas pesquisas, realizadas durante o período eleitoral, que identificam as candidaturas de policialescos a cargos políticos, como senador, prefeito, vereador, deputado federal e estadual. A mais recente pesquisa foi publicada em 2022 e pode ser acessada aqui.

Boa parte desses candidatos conseguem se eleger com uma retórica conservadora, negacionista, punitivista e fundamentalista religiosa, aliados ao campo político da extrema direita. Os bordões “bandido bom, é bandido morto”, “CPF cancelado”, “direitos humanos servem para proteger bandidos” são ecoados na TV, diariamente, por apresentadores e repórteres sem nenhum pudor, desinformando a população sobre o que são direitos humanos e criando a dicotomia entre “cidadão de bem” e “bandidos.”

Por serem considerados jornalísticos, esses programas são exibidos em horários diurnos e, por isso, conseguem permanecer no ar, mesmo que violem direitos humanos aos olhos vistos do Ministério das Comunicações, que deveria fiscalizar esses conteúdos. No entanto, os policialescos dão lucro para os “donos da mídia”, assim, seguem no ar, sem nenhuma regulação.

Defender o diploma para as/os jornalistas também passa por lutar contra os policialescos, pois esses programas, como demonstrado neste artigo, não fazem jornalismo. Como afirmou a coordenadora da pesquisa Violações de Direitos na Mídia Brasileira, Suzana Varjão, esses programas se afastam do fazer jornalístico, com discursos unidirecionais, com opiniões que violam os direitos humanos, desprovidos de diversidade nas fontes e pluraridade de vozes.

“A análise das narrativas policialescas expõe recorrências discursivas que as aproximam do universo da propaganda, com mensagens repetitivas, sem contraponto, contra os adolescentes em conflito com a lei; os poderes constitucionais; os dispositivos legais; o campo de defesa dos direitos humanos – e da democracia”, afirma a pesquisadora.

Outra autora que também pesquisou esse tipo de produto midiático, Ticiane Cabral, também afirma que os policialescos não podem ser considerados jornalísticos, porque quebram as regras clássicas do jornalismo, pois os apresentadores utilizam palavrões e fortes juízos sobre os fatos, utilizando uma linguagem que tanto banaliza quanto estimula a violência.

Com a derrubada da exigência do diploma para exercer a profissão, não só nós, jornalistas, perdemos, mas também toda a sociedade, que está à mercê de conteúdos sensacionalistas, antiéticos, desinformativos e que propagam o ódio e a violência nos meios de comunicação no Brasil. A luta em defesa do diploma precisa ser uma prática diária e coerente, e que deve incluir também, em defesa do jornalismo, a luta contra os policialescos, em busca de uma mídia que não viole os direitos humanos, defenda a cidadania e a democracia participativa.

*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, doutoranda em Comunicação pela UFPE, associada ao Coletivo Intervozes, autora do livro A Desinformação e a Violação aos Direitos Humanos das Mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã). Pesquisa gênero, desinformação e violação dos direitos humanos das mulheres na mídia.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.

Apoie a comunicação popular, contribua com a Redação Paula Oliveira Adissi do jornal Brasil de Fato PB
Dados Bancários
Banco do Brasil – Agência: 1619-5 / Conta: 61082-8
Nome: ASSOC DE COOP EDUC POP PB
Chave Pix – 40705206000131 (CNPJ)

Veja mais