Dias atrás ouvi uma frase que veio a completar o que penso há muito tempo, só que em outras palavras. Alguém dizia: “Médico que só sabe de medicina não é um bom médico”.
Eu estava caminhando no parque, desculpem não citar a referência, mas quando faço exercícios fico entre mundos, e a frase ficou pairando em mim, ao ponto de deixar de ouvir a conversa. Me acontece seguido, algo chama minha atenção e tudo se detém nesse instante, como uma lente de aproximação, uma ilha isolada. Uma câmera de cinema se adentrando. Por isso, seguido, tenho que voltar a ouvir o podcast ou ler novamente algumas páginas no livro.
As causas únicas não me representam.
Como poderia me sentir junto a um feminiSmo que não olha para os lados, que não caminha junto às negritudes, às dissidências gênero-sexuais, às classes sociais e sexuais, às indígenas. Às mulheres e crianças sendo brutalmente assassinadas em Gaza?
Adianta ser uma pessoa vegana (exercer cuidados com a vida animal), porém ser machista, racista, sionista? (exercer violência contra vidas humanas).
Depois dessa introdução quero falar de algo que me preocupa muito. Como é que ainda aguentamos o genocídio em Gaza? Como é que ficamos a olhar no Instagram, como eu disse tempo atrás, e muitas pessoas ficam só passando as imagens como se fosse um joguinho e não a vida de outros seres humanos!
Eu não sou uma especialista nesse tema, sou uma judia antissionista que muitas noites não consegue dormir pensando na dor do povo palestino.
Fico tentando entender e muitas coisas passam pela minha cabeça.
Anos atrás, se contava isso que algumas pessoas chamam de piada que dizia assim: Bush vai matar 99 árabes e um homem em bicicleta. Aí a “piada” estaria em que as pessoas perguntariam por que um homem em bicicleta? E a pessoa riria e diria: “Vê? Ninguém se importa com os árabes”.
O ponto não está nem nas pessoas árabes nem no homem da bicicleta, mas na comunicAção.
Se formos pensar, quantas pessoas não sofreram com Juliana, o Instagram aberto para informações tem mais de 1 milhão e meio de seguidorxs.
O que significa isso? Juliana Marins era uma jovem negra com nome, sobrenome, gostos, sonhos, aventuras, família. Não era um número. Não era uma cifra, uma simples informação que dura um minuto e alguns segundos. A gente teve tempo para conhecer ela, chamá-la de Ju, torcer pela sua vida, sofrer quando ficamos sabendo que não resistiu.
Dias atrás o governo genocida matou umas 60 pessoas palestinas à beira mar, em um bar onde se protegiam do calor.
Quem eram essas 60 pessoas? O que comiam, onde dormiam, como chegaram aí? Havia muitas crianças? Alguma pessoa apaixonada, apesar do horror, alguma poeta? Conseguiriam tomar água? Como estariam atravessando esse momento que, além das bombas, está passando por um calor tão extremo quanto nós pelo frio.
Informação é tudo.
Eu não sou jornalista, mas não é necessário sê-lo para saber que dependendo de como se transmite, a notícia vai ou não gerar interesse. E têm algumas formatadas como para que ninguém sinta empatia.
Mas é responsabilidade da gente procurar entender, ir atrás de jornais, de livros, falar do assunto, seguir determinadas páginas.
No domingo (29), a jornalista e escritora Alexandra Lucas Coelho veio a Porto Alegre lançar seu novo livro: Gaza está em toda parte. Antes do lançamento, a atriz Mirna Spritzer e a psicanalista Luciana Knijnik, ambas judias, propuseram um belíssimo sarau. Poemas e conversas foram um alto momento nesse domingo frio e chuvoso. Tem barreiras que só a arte consegue fazer tremer as estruturas.
Onde estão as vozes que ouvimos em outras lutas?
Como disse Alexandra, o pessimismo é um luxo, estar em silêncio uma posição política.
Se nos horrorizamos com o Holocausto que matou 6 milhões de pessoas judias e outros 4 milhões de pessoas das dissidências gênero-sexuais, comunistas, ciganas. Qual será o número, a cifra que nos faça enxergar?
Quantas mortes mais serão necessárias para acordar, enquanto os poderosos do mundo assassinam a todo um povo?
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.