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Veto parcial ao PL da Devastação é vitória da mobilização popular

É preciso redobrar a pressão sobre uma classe política muito à vontade para contrariar a vontade popular

Na última sexta-feira (8), o presidente Lula sancionou com vetos o Projeto de Lei 2159/2021, que desmonta o licenciamento ambiental, o PL da Devastação. É um caso de copo meio cheio ou meio vazio: não vetou totalmente como queríamos, mas também não sancionou sem ressalvas, como poderia acontecer se prevalecesse a disposição de não criar mais atritos com o Congresso. 

É preciso valorizar o papel da mobilização social que, junto de outros elementos da conjuntura, tornou este resultado possível. De uma intensa campanha nas redes sociais, com adesão de artistas, às mobilizações de rua em diversas cidades, tudo contribuiu para criar o clima que possibilitou os vetos. 

Não foi uma conquista pequena. O projeto, considerado o maior ataque à legislação ambiental dos últimos 40 anos, atendia a amplas fatias da classe dominante, do agronegócio à mineração, passando por setores industriais. Ele foi aprovado na Câmara ainda no governo Bolsonaro e em maio deste ano passou pelo Senado sem dificuldades e com adendos que o deixaram ainda pior. Por seu poder de elevar o desmatamento (em uma área do tamanho do Paraná, segundo o Instituto Socioambiental) o PL no limite inviabilizaria o compromisso brasileiro de redução de emissões de gases de efeito estufa, além de ampliar o risco para os atingidos e dificultar nossa capacidade de se adaptar aos desastres que já ocorrem com a crise climática.

O projeto dividiu setores do governo, contando com apoio dos ministérios da Agricultura, Infraestrutura e Minas e Energia, enquanto a resistência ficou a cargo, principalmente, do Ministério do Meio Ambiente. Poucos dias após o Senado aprovar o projeto, Marina Silva foi agredida e desrespeitada por parlamentares de extrema-direita naquela casa. Uma vez de volta à Câmara, as alterações feitas pelo Senado passaram a toque de caixa, antes do recesso de julho.

A sanção com vetos passa o recado de que o governo tenta conciliar a preservação ambiental, pauta que tem apelo popular e, mais que isso, de fato interessa ao povo, aos interesses econômicos da classe dominante.

É uma postura em consonância com o que tem sido a linha do governo Lula, mas diante dos muitos reveses e dificuldades da política, não deixa de ser um alívio. Trata-se de um momento no qual Lula está fortalecido politicamente, diante dos ataques à soberania feitos pelo estadunidense Donald Trump. Além disso, a pauta ambiental começa a ganhar mais destaque, conforme nos aproximamos da COP 30. 

Poucos vetos, mas significativos

Lula vetou 63 de mais de 400 artigos do PL da Devastação. Entre os pontos vetados está a possibilidade da Licença por Adesão e Compromisso (LAE) ser estendida a projetos de médio porte e médio potencial poluidor – que é o caso, por exemplo, das barragens de Mariana e Brumadinho, que romperam em Minas Gerais. A medida, que na prática significa um perigoso “autolicenciamento”, ficou restrita a projetos menores, seguindo o que já era o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Acenando para o outro lado, Lula também editou uma Medida Provisória criando o licenciamento ambiental “especial” para obras consideradas “estratégicas”, o que contempla uma proposta de Davi Alcolumbre. A medida deve facilitar a extração de petróleo na Foz do Amazonas, o que atende aos interesses do presidente do Senado. Apesar de polêmica do ponto de vista ambiental e climático, a extração é defendida abertamente por Lula. 

A limitação das condicionantes do licenciamento, que significaria um ataque frontal aos direitos dos atingidos, também foi vetada. Permanece a obrigação das empresas se responsabilizarem também por impactos considerados indiretos. Um exemplo da importância dessa política é a hidrelétrica de Belo Monte, cuja concessionária teve que construir casas, escolas, hospitais e o sistema de esgotamento sanitário devido aos impactos causados por um projeto deste tamanho na região de Altamira (PA). Imagine a situação dos atingidos e a sobrecarga sobre o poder público se o licenciamento simplesmente não obrigasse a empresa a arcar com esses impactos por entender que se tratam de meras políticas públicas…

Também foram vetados os dispositivos que restringiam a consulta aos povos indígenas e quilombolas apenas para projetos que interferissem em territórios já titulados ou homologados, um ataque profundo e descarado aos direitos desses povos, que já vem sofrendo com um aumento da violência após a aprovação do Marco Temporal, como aponta o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Também caíram dispositivos que excluíram órgãos gestores de unidades de conservação na análise das licenças e outro que liberava mais desmatamento na Mata Atlântica.

Foi vetada ainda a autonomia para estados e municípios criarem suas próprias regras, o que seria um incentivo para os entes federativos rebaixarem suas exigências ambientais para atrair projetos. Também foi vetada a dispensa do licenciamento para melhoria de obras preexistentes, o que poderia liberar sem maiores obstáculos projetos com alto potencial de desmatamento, como o asfaltamento da Br 319, que liga Manaus a Porto Velho e atravessa uma das áreas mais preservadas da Amazônia.

Mobilização precisa ser maior

Todos esses vetos são fundamentais e mostram uma sinalização política do governo, no entanto, estão em risco. A partir desta segunda-feira (11), o projeto já está oficialmente de volta aos corredores do Congresso, onde os vetos podem ser derrubados. Pela facilidade com que o PL passou nas duas casas, o Congresso já mostrou que tem maioria, com folga, para aprová-lo. 

Agora, é preciso redobrar a pressão sobre uma classe política muito à vontade para contrariar a vontade popular e bastante empoderada por recursos de emendas, sem medo de derrubar vetos, ainda que às custas de popularidade. Quem se esquece que, menos de dois meses atrás, foi derrubando vetos de Lula que a Câmara nos presenteou com um aumento de R$ 35 bilhões por ano na conta de luz?

Por isso, todo alerta ainda é pouco: Precisamos continuar pressionando e desmascarando o Congresso e para isso, a mobilização precisa ser ainda mais ampla. Com relação à forma, é preciso juntar a pressão no legislativo e as campanhas nas redes com mobilização de rua e a disputa de ideias com a sociedade. Do ponto de vista do conteúdo, é hora de mostrar a ligação da pauta ambiental com a defesa da soberania e mostrar que os mesmos que destroem o meio ambiente (e por consequência, as bases materiais de nossa sobrevivência) também são contra outras pautas de interesse do povo, como a redução da escala de trabalho e a reforma do imposto de renda, além de serem submissos a interesses externos. O mar continua turbulento, mas os ventos estão favoráveis – ao menos por hora.

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*Elisa Estronioli é jornalista e integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.

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