Ouça a Rádio BdF
Há mais de 25 anos o INCT Observatório das Metrópoles vem trabalhando sobre os desafios metropolitanos colocados ao desenvolvimento nacional através da sua rede de pesquisa, organizada em 18 núcleo...ver mais

Por uma agenda urbana democrática em Campina Grande: percursos e entraves

A questão ambiental, para nós, deve ser um eixo estruturante do nosso desenvolvimento

Por Roberto Jefferson Normando*

Olhar a conjuntura 

O ano de 2024 será marcado pelas disputas político-eleitorais para o executivo e parlamento municipal, de muito debate sobre a realidade dos municípios e de articulações e alianças políticas diversas. Muitas destas coalizões nem sempre levam em conta os reais problemas da população, nem estão comprometidas com as possibilidades de construção de plataformas locais de governança democrática. 

O mundo passa por uma conjuntura dos extremismos com o avanço da extrema direita e dos conflitos bélicos, o que tem acentuado desigualdades, opressões e discriminações… No Brasil, a extrema direita foi derrotada no âmbito eleitoral em 2022, mas segue viva em suas estratégias, em articulações no âmbito internacional e na mobilização de suas bases. Em 2024, buscará continuar crescendo a partir da conquista de um maior número de prefeituras e assentos nos parlamentos municipais. Por outro lado, o nosso campo progressista segue com o desafio de governar o Brasil para ampliar e fortalecer a democracia, gerando um novo ciclo econômico de prosperidade comprometido com as justiças social e ambiental.

Uma das tarefas fundamentais do debate sobre as cidades na atual conjuntura é o de recuperar o espaço democrático, o espaço público da divergência, dos projetos políticos ideológicos diferentes, mas numa disputa radicalmente democrática e sem o ódio como o elemento de negação e mesmo destruição do outro/a. Aqui cabe refletir que somos uma sociedade diversa, fraturada por desigualdades e repleta de contradições. É possível recuperar um ambiente civilizatório e democrático neste contexto?

Se queremos de fato questionar o modelo do espaço urbano que temos hoje em nossos municípios, temos que falar de qual modelo econômico rege nosso desenvolvimento e nossa organização societária. É pelo resultado do modelo econômico que reconhecemos uma cidade de bem-estar para todos/as ou uma cidade que segrega e concentra riqueza.

E Campina Grande? 

Falando de uma Agenda Urbana para Campina Grande, logo vem a pergunta: qual Campina Grande temos? Qualquer projeto político que queira ser vencedor para melhorar a vida das pessoas, precisa mergulhar na realidade, para conseguir entender e propor soluções de curto, médio e longo prazo. Uma realidade diversa e complexa. Temos uma Campina Grande conhecida e reconhecida como uma das principais cidades do Nordeste. O município passou por fases importantes de desenvolvimento econômico como o ciclo do algodão e da industrialização e foi reconhecida, também, como a capital do trabalho e pela expansão do polo educacional, tornando-se um espaço promissor da inovação tecnológica e científica. Porém, ao mesmo tempo, é uma cidade profundamente contraditória e desigual. 

É suficiente uma andança pela cidade para se deparar com as realidades de exclusão e injustiças social e ambiental; infraestrutura precária, áreas de favela e de riscos e uma periferia crescente em toda zona urbana, sem falar da área rural e dos distritos, com vários problemas de aumento da pobreza; a falta de cuidado e preservação das suas nascentes, rios, das áreas verdes, o descompromisso total com o meio ambiente e a falta de políticas diante da urgência das mudanças climáticas.  O mundo do trabalho encolheu no município, aumentando a informalidade, o emprego precário e o baixo nível de rendimento das famílias campinenses. Além disso, o aumento da população em situação de rua é evidente. Basta olhar os dados do censo de 2022, para constatarmos uma Campina Grande profundamente desigual e estagnada economicamente. 

Uma cidade para a justiça social e ambiental, eis a Agenda 

Somos uma cidade do semiárido do Nordeste brasileiro, com um histórico de crise hídrica. A questão ambiental, para nós, deve ser um eixo estruturante do nosso desenvolvimento. Portanto, para agenda municipal, é importante priorizar: políticas que promovam a produção descentralizada de energias renováveis, com atenção aos seus impactos sociais e ambientais; a correta captação da água das chuvas, incentivando a difusão de tecnologias sociais; o saneamento ambiental a partir de uma abordagem multidimensional integrada; o reflorestamento, cuidado e revitalização das nossas nascentes, rios e canais; o necessário cuidado com as áreas de risco, a partir de planos participativos de prevenção. Passa aqui, também, a política habitacional, a reurbanização de favelas e tantas outras iniciativas tão necessárias nestes tempos de mudanças climáticas que intensificam os desastres, tendo a periferia como prioridade absoluta e central de toda a agenda urbana.

Não há como efetivar o direito à cidade, sem o pleno direito e efetivação de uma democracia econômica. Ou seja, uma cidade onde o trabalho, a renda, os interesses do capital, devem estar na mesa e na construção de políticas públicas econômicas que tenham como centro a igualdade de oportunidades para todas as pessoas. Falar de política urbana, é e deve ser falar de economia local e global.  
 
As legislações a exemplo do Plano Diretor, dos Planos Setoriais e Temáticos, como também os espaços de participação dos conselhos, conferências, audiências públicas são de grande importância e devem fazer parte de um compromisso democrático de uma gestão que esteja conectada com os interesses da população. Mas sem uma sociedade civil fortemente organizada e articulada, esses instrumentos não ficam de pé e a participação cidadã nos espaços institucionais se precariza e perde qualidade e capacidade de influenciar os rumos.

Iniciativas como a “Frente pelo Direito à Cidade”, articulada desde 2018, que reúne organizações sociais, grupos de pesquisa das universidades, observatórios, sindicatos e ONGs que vêm discutindo e mobilizando uma Agenda Urbana tendo como centro a redução das desigualdades, a participação plural nos rumos da cidade e o fortalecimento da sociedade civil organizada pelo direito à cidade, devem ser fortalecidas e aprimoradas. 

No enfrentamento a esses e tantos outros desafios, a retomada da revisão do Plano Diretor é extremamente importante para que a cidade enfrente as suas próprias contradições e desigualdades, com o apontamento de saídas à médio e longo prazo, permitindo um planejamento exequível expresso na síntese das prioridades definidas pela população para o presente e o futuro da cidade.

São muitos os desafios para construirmos uma Campina Grande social e economicamente justa, ecologicamente sustentável, politicamente democrática e participativa, além de culturalmente plural

Uma cidade de direitos; uma cidade da igualdade de oportunidades; uma cidade que que seja referência no Semiárido e Nordeste brasileiro de promoção das justiças social e ambiental. 

*Roberto Jefferson Normando é graduado em Filosofia, assessor parlamentar, coordenador do Observatório Social do Nordeste e da Frente pelo Direito à Cidade de Campina Grande e membro da Equipe de Coordenação e Assessoria da Escola Diocesana de Fé e Política Dom Manuel Pereira.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

Apoie a comunicação popular, contribua com a Redação Paula Oliveira Adissi do Jornal Brasil de Fato PB
Dados Bancários
Banco do Brasil – Agência: 1619-5 / Conta: 61082-8
Nome: ASSOC DE COOP EDUC POP PB
Chave Pix – 40705206000131 (CNPJ)

Veja mais