Ouça a Rádio BdF
Parceria entre a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), o Observatório das Desigualdades, criado em agosto de 2018, é um projeto de extensão do...ver mais

Plano Mineiro de Combate à Miséria: mais um passo para o longo caminho para a justiça social

Políticas sociais atuais reduzem em mais de 5% extrema pobreza em MG

Por Bruno Lazzarotti, Matheus Arcelo e Miguel Coelho

O Observatório das Desigualdades esteve presente no lançamento do Fórum Técnico Minas Sem Miséria, no dia 17 de julho. O evento deu início a uma série de audiências que acontecerão em várias regiões do estado de Minas Gerais: Juiz de Fora (Zona da Mata), Montes Claros (Norte), Uberlândia (Triângulo Mineiro), Araçuaí (Vale do Jequitinhonha), Betim (RMBH) e a etapa final na Assembleia Legislativa de Minas Gerais nos dias 4 a 6 de março de 2026. Esses encontros buscam contribuir para a elaboração do Plano Estadual de Erradicação da Miséria, previsto na Lei 19.990, de 2011. 

Trata-se de uma iniciativa muito relevante, uma vez que o cenário que se apresenta em Minas Gerais acerca da pobreza e extrema pobreza requer grande atenção e ações articuladas para o seu combate.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

É preciso olhar para aqueles para quem o Estado tem falhado em garantir as condições mínimas para uma vida digna. Nesse sentido, visando colaborar com o debate do Fórum Técnico, o Observatório das Desigualdades elaborou uma nota técnica que apresenta diferentes simulações de programas sociais, que se diferem em público alvo, valores e abrangência, para apresentar formas de erradicar a pobreza em Minas Gerais.

A tabela a seguir apresenta a configuração dessas alternativas: 

Tabela 1 – Percentual de extrema pobreza por grupamento social raça x gênero 2012 – 2024 (MG)   

Fonte: Microdados da Pnad Contínua – Nota Técnica n° 8

Evidentemente, por apresentarem configurações diferentes, os programas apresentam efeitos e custos diferentes. Nesse texto, apresentaremos apenas os impactos na taxa de extrema pobreza:

Gráfico 1 – Percentual de extrema pobreza em cada um dos cenários – 2024 (MG)

Fonte: Microdados da Pnad Contínua – Nota Técnica n° 8

O primeiro ponto evidente na análise do gráfico é a importância das políticas sociais. Os programas que existem atualmente são responsáveis por uma queda de mais de 5% da extrema pobreza em Minas Gerais, retirando mais de um milhão de pessoas da pobreza.

Além disso, fica evidente que quanto maior a abrangência do programa social, maior a capacidade de diminuir a extrema pobreza. Levando em consideração a diferença da taxa geral entre um e outro, a mudança parece ser pequena, no entanto, tomando os programas 4 e 5 como exemplo, há uma diminuição superior a 10% entre os cenários (de 532 mil para 448 mil pessoas em situação de extrema pobreza).

Políticas públicas bem orientadas promovem a inclusão

Além disso, também é preciso deixar claro que no Brasil a pobreza tem gênero e raça:

Gráfico 2 – Percentual de extrema pobreza por grupamento social raça x gênero – 2024 (MG) 

Fonte: Microdados da Pnad Contínua – Nota Técnica n° 8

Segundo os dados do gráfico 2, apresentado acima, as mulheres negras apresentaram os maiores percentuais de extrema pobreza na maior parte dos cenários, seguidas pelos homens negros, enquanto mulheres e homens brancos ocuparam as menores posições, alternando entre si. Sem os programas sociais, mesmo os existentes, a diferença entre homens brancos e mulheres negras chega a mais de 6% e, com o programa de maior abrangência, cai para menos de 1%. Esses dados evidenciam como, além de reduzir drasticamente a extrema pobreza, os programas também são bem sucedidos em reduzir as desigualdades de raça e gênero.

Por outro lado, analisando apenas o cenário atual, persistem desigualdades raciais e de gênero. Isso demonstra que políticas de enfrentamento à pobreza devem adotar uma abordagem interseccional, visando não apenas a redução geral dos índices, mas também o enfrentamento das vulnerabilidades específicas que afetam mulheres e pessoas negras.

Fórum Técnico Minas Sem Miséria e ausência do governo

Os dados apresentados demonstram a relevância de iniciativas como o Fórum Técnico Minas Sem Miséria, que já em sua abertura também contribuiu para desvelar algumas questões. Como os dados apresentados pelo presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE MG), Durval Ângelo, acerca da utilização de recursos do Fundo de Erradicação da Miséria, que estão sendo desviados para outros fins, totalizando R$ 800 milhões desde 2012, sendo 80% desse recurso de 2019 até hoje.

Dados sobre isso estão presentes nas notas técnicas n°5 e n°8 do Observatório das Desigualdades, que trata de alternativa para expansão dos investimentos sociais por meio da justiça tributária em Minas Gerais, apresentando como os recursos têm sido usados para financiar atividades de impacto indireto na miséria como o transporte escolar.

:: Acompanhe o podcast Visões Populares e fique por dentro da política, cultura e lutas populares de MG e do Brasil :: 

Outro ponto que chamou atenção, foi a ausência de qualquer pessoa que representasse o governo do Estado de Minas Gerais. Muitas vezes durante o evento foram questionadas as prioridades do governador do estado, uma vez que para auxiliar grandes empresas por meio da renúncia fiscal seu governo não se deixa de fazer presente. Concomitantemente à ausência no Fórum, saiu a notícia da manutenção do sigilo aos beneficiados por renúncias fiscais que já atingirá R$ 25,2 bilhões para 2026.

Disputa política

São muitas as evidências dos impactos positivos das políticas públicas de proteção social, em especial aquelas que possuem como foco os segmentos mais vulneráveis da população.

Chamamos atenção que o cenário de redução da pobreza observado entre 2022 e 2024 e representados nos Gráficos 1 e 2, acima, demonstra que políticas públicas bem orientadas podem promover a inclusão, mas também destacamos a constante ameaça que paira sob essas ações.

O que revela um embate político mais profundo: de um lado, a defesa da centralidade dos direitos sociais e a responsabilidade estatal na correção das desigualdades históricas; de outro, setores que priorizam o ajuste fiscal e a contenção de gastos, mesmo que isso implique o retrocesso de conquistas fundamentais.

Nesse sentido, a luta pela erradicação da pobreza no Brasil não é apenas técnica ou econômica, ela é, antes de tudo, política.

A manutenção e a necessária melhoria dos avanços observados exigem vigilância cidadã, compromisso democrático e enfrentamento direto aos discursos e práticas que colocam os direitos sociais como entraves ao desenvolvimento, e não como sua própria condição. E é neste contexto, que ações como o Fórum Técnico Minas Sem Miséria se mostram muito importantes. 


Bruno Lazzarotti, Matheus Arcelo e Miguel Coelho integram o Observatório das Desigualdades

Leia outros artigos do Observatório das Desigualdades em sua coluna no Brasil de Fato MG

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Veja mais