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Recifense, professor, doutor em ciências sociais pela UFRN e membro da executiva estadual do PT em Pernambuco.

Um olhar sobre a disputa política nas redes sociais

Uma comunicação popular não pode estar orientada pelo rebaixamento da realidade e a deseducação política imposta pelos algoritmos

*Texto escrito em parceria com a comunicadora, fotógrafa e artista visual Pamella Biernaski.

Estamos vivendo a era da política “instagramável” e isso precisa ser olhado com mais seriedade pela esquerda. As redes sociais são uma ferramenta poderosa, território em disputa e prometem a popularização do discurso. Mas a que custo?

Quando a internet surgiu, seguida pelas redes, parecia que enfim teríamos como confrontar os grandes conglomerados da mídia tradicional burguesa, romper com o monopólio da informação e democratizar o acesso ao debate público. Havia esperança de uma comunicação mais livre, horizontal, plural.

Mas ao chegarmos em 2025, o cenário se mostra bem diferente. O que era para ser espaço de emancipação virou, muitas vezes, uma vitrine para um mundo domesticado e um reino das fake news. Afinal, a lógica da visibilidade se sobrepõe à crítica e à profundidade. E o engajamento a todo custo tem ocupado mais espaço que as nossas pautas históricas.

A Meta Inc., uma das 10 empresas mais valiosas do mundo, comandada por um bilionário, é dona de um conglomerado tecnológico que abarca WhatsApp, Instagram, Facebook, Messenger e Threads – que não por acaso são as plataformas mais utilizadas pela população brasileira hoje. É nesse território, moldado por interesses empresariais e voltado essencialmente ao lucro, que estamos construindo nossas formas de falar e pautar o debate público.

A esfera pública está cedendo espaço crescente a arenas cuja dinâmica e as pautas são ditadas pela lógica dessas poderosas multinacionais, as “big techs”. Elas quase sempre conseguem filtrar o que pode ou não ganhar força na agenda dos países – e das regiões e cidades. E fazem isso por meio de instrumentos de inteligência artificial chamados “algoritmos”, que selecionam o que pode chegar a um grande número de pessoas.

Os critérios desses filtros não são transparentes, o que confirma o caráter pouco democrático dessas arenas virtuais e exige uma legislação que regule, conheça e incida nesses critérios. Não pode haver nada secreto nas regras do debate público.

Embora não seja completamente conhecida a dinâmica de seleção dos algoritmos, algumas características são perceptíveis e já vêm sendo estudadas. A maioria delas tem tudo a ver com as “leis” do capitalismo e com a lógica neoliberal. O lucro deve ser instantâneo, logo, os algoritmos privilegiam publicações que causam impacto imediato.

Assim, os posts que geram sensações mobilizadoras extremas como espanto, raiva, indignação ou a promessa de um escândalo, por exemplo, ganham a preferência desses algoritmos por fisgarem muito rapidamente a atenção da maior quantidade de pessoas. Quanto mais pessoas forem atraídas em menos tempo, amplia-se o lucro com as visualizações e o engajamento em massa. As plataformas são ultramodernas, mas segue valendo a velha lógica do capital: “tempo é dinheiro”.

Essa espécie de linha de produção em larga escala de produtos – as postagens que cada um de nós produz – cuja circulação é facilitada pela regra imposta por algoritmos pertencentes a multinacionais, é o espaço que incide decisivamente no debate público hoje.

É o melhor dos mundos para os capitalistas: a arena de informação e debate é ditada pelas regras deles e ainda lhes garante seus lucros. Mais que isso: garante acesso aos dados de todas as pessoas que navegam por elas, prejudicando a soberania dos países que têm as informações de seus cidadãos expostas.

A dinâmica dessas redes favorece a extrema direita, que tem como estratégia política exatamente canalizar a revolta para uma explicação imediatista, violenta e falseada do mundo. Não à toa o fenômeno das fake news e a ascensão do neofascismo no mundo ocorreram paralelamente à ampliação da presença das redes sociais no cotidiano das populações.

Esse tipo de comunicação tem seguido a lógica das “trends”, isto é, conteúdos formatados de maneira semelhante, com alto potencial de viralização, recheados de memes e de um “internetês” por vezes infantilizado e que busca aproximação imediata. Esse formato pode sim ajudar a suavizar temas áridos, a humanizar quem ocupa a tela, a tornar mais acessível o discurso político.

Mas quando a comunicação se resume a isso e quando as redes se tornam quase o único espaço de fala, o que vemos é uma perda da mínima profundidade e o esvaziamento da política. Assim, ficamos reféns do algoritmo regulado por uma empresa privada, com uma agenda estabelecida e abrimos mão de sermos sujeitos da nossa própria linguagem.

E aí surge mais uma questão: as redes sociais têm favorecido o casamento entre a política e o entretenimento, já que são percebidas como esferas públicas informais, distintas dos canais tradicionais de formação da opinião. Isso favorece a atuação de “personagens”, de políticos que abrem seu cotidiano de maneira a simular intimidade pessoal com seus “seguidores”, com o intuito de alimentarem o culto e a afeição à sua imagem, ao invés de se colocarem como lideranças que representam projetos coletivos.

Sai de cena a relação “líder-cidadãos-apoiadores” e ganha vida a relação “político-celebridade-espectadores”. Para essa relação permanecer firme basta que esse político represente uma ideia difusa ou caricata da “marca” que determinados grupos de espectadores querem consumir em suas bolhas, ou, no melhor dos mundos, fure as bolhas, consolidando-se como celebridade popular entre vários públicos.

Qual seria então o papel da esquerda nas redes? Para alguns, a resposta está em aprofundar esse modelo e jogar todas as fichas nas redes sociais, emulando as práticas da extrema direita para conquistar a atenção, por um lado, e de outro aderindo à transformação da política em mero entretenimento. A diferença estaria nos conteúdos, que seriam voltados a defender pautas de esquerda.

Para outros, o caminho seria simplesmente negar as redes sociais, taxando-as como espaço de captura do debate pelas big techs e nada mais, liderando uma espécie de “guerra contra a tecnologia” em pleno século 21.

Não temos nenhuma pretensão de ter as respostas. Porém, acreditamos que há outras possibilidades. Uma delas é a de produzir uma comunicação que se dedique, sim, a formas mais simples e diretas de discutir a vida cotidiana e os grandes temas. Uma comunicação que possa eventualmente aderir a tendências do momento, mas sem estar aprisionada a elas.

Uma comunicação popular não pode estar orientada pelo rebaixamento da realidade e a deseducação política imposta pelos algoritmos. Pautar a relação comunicacional com as massas populares na base da infantilização dos conteúdos é tratá-las ao modo das elites, subestimando-as.

Além disso, não podemos deixar que os algoritmos direcionem nossa ação política. Há pautas que não viralizam. Há temas que não cabem em pequenos carrosséis, nem em 15 segundos de vídeo. Existem dores, contradições que exigem outra cadência, outra escuta, outra profundidade.

Enquanto nós corremos atrás dos assuntos que darão like, quem denunciará as famílias retiradas de palafitas há anos e até hoje vulneráveis, nesse Recife dominado pela especulação imobiliária, por exemplo? Quem se dedicará sistematicamente a denunciar a miséria das populações ribeirinhas ou a desapropriação de comunidades inteiras, invisíveis e “pouco interessantes” para as bolhas midiáticas?

É justamente esse lugar, o do incômodo, da complexidade, do silenciamento, do conflito político, que historicamente foi papel da esquerda ocupar. Abrir mão disso em nome de uma suposta “eficiência comunicacional”, de likes e seguidores, é aceitar as regras de um jogo criado para nos domesticar. As big techs não podem colonizar a política.

A lógica algorítmica não dá conta da complexidade da vida em sociedade, nem dos debates profundos que precisamos urgentemente fortalecer. Entre eles o debate crucial da regulação desses espaços no Brasil. É preciso desacelerar o fluxo frenético das telas e repensar nossas formas de dialogar entre nós e com o povo.

As redes podem ser ferramentas úteis, sim, mas precisam ser instrumentalizadas ao nosso modo, a serviço da formação crítica e da disputa por mentes e corações no caminho da emancipação.

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