Por Juliane Furno* e Pedro Faria
O projeto de reforma do Imposto de Renda (IR) está prestes a ser votado no Congresso Nacional. É um projeto que começa a corrigir a distorção histórica que existe no Brasil: desde a ditadura militar, todas as reformas do IR de pessoa física tiveram o efeito de reduzir a tributação dos ricos e aumentar a tributação dos pobres e da classe média.
A proposta do governo Lula será o primeiro passo de uma caminhada para consertarmos a injustiça criada pelos ricos brasileiros: isenta total ou parcialmente quem recebe até R$ 7,3 mil e coloca um imposto mínimo para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês e não recebe apenas renda do trabalho.
O projeto vai representar um ganho de mais de R$ 300 reais por mês no bolso de quem ganha R$ 5 mil por mês. Isso faz a diferença no bolso do povo. No lado dos super-ricos, temos um passo inicial: eles vão pagar entre 2,5% e 10% de imposto mínimo, ainda é menos do que paga um professor universitário ou um policial.
O Congresso brasileiro, dominado por empresários e elites locais que representam os super-ricos, quer estragar este passo tão importante. A oposição de direita quer tirar a taxação dos super-ricos do projeto e deixar apenas a isenção para quem ganha até R$ 7,3 mil. Como o projeto é amplamente apoiado pela população, a direita não pode votar contra, então decidiram tentar atrasar a aprovação do projeto e criar uma pauta-bomba para o governo.
Por isso é importante dizer: a tributação dos super-ricos importa! E não é só por uma questão fiscal. É a economia política. Fazer os super-ricos pagarem impostos é parte essencial de qualquer projeto político do campo popular para o Brasil atual.
Primeiro, vamos entender a questão fiscal: o projeto estima um custo de R$ 25 bilhões já em 2026. Sem cobrar dos super-ricos um imposto básico, menor do que o resto da população já paga — diga-se de passagem —, as regras fiscais atuais dizem que esse valor tem que ser compensado com aumentos de outros impostos ou, o que é mais provável, com cortes de gastos.
Há, em partes da esquerda, um raciocínio de que o problema é o arcabouço fiscal. Essa é uma visão míope e não completa. Sim, o arcabouço fiscal que limita o crescimento dos gastos é um problema, mas aqui o problema é, também, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a meta de resultado primário. Ambos existiam muito antes do novo arcabouço fiscal e até do teto de gastos do governo Temer.
Essa visão normalmente vem acompanhada de uma versão simplista de parte da Teoria Monetária Moderna, dizendo que, por termos uma moeda fiduciária, o Estado não precisa arrecadar primeiro para depois poder gastar. Nessa leitura, taxar os super-ricos poderia ser é desnecessário. Não precisamos arrecadar mais com os super-ricos para poder isentar os trabalhadores de imposto de renda. A tributação serviria apenas para enxugar moeda da economia.
No entanto, mais do que uma questão monetária, tributação é uma questão de economia política: quando o Estado tributa, afeta o poder de compra de quem é tributado. Para trabalhadores e trabalhadoras, reduzir o Imposto de Renda dos mais pobres ao custo de cortes de gasto seria ficar sem amparo do Estado e mais dependentes dos serviços do setor privado, como planos de saúde e universidades particulares. Uma trabalhadora que recebe R$ 5 mil por mês vai ter mais R$ 300 disponíveis, mas vai acabar gastando mais em serviços privados, que vão para o bolso dos empresários amigos dos deputados de direita.
Na outra ponta, um empresário multimilionário que passa a ser mais tributado perde poder de compra, mas não é qualquer poder compra: para quem ganha R$ 50 mil ou R$ 100 mil por mês, o poder de comprar arroz e feijão está garantido. O “poder de compra” que o empresário perde primeiro é o poder de comprar a política. Hoje, pagando pouquíssimo imposto na pessoa física — e na grande maioria dos casos, também na pessoa jurídica — nossos super-ricos têm dinheiro de sobra para influenciar a política.
A proposta do governo fortalece o bolso da classe trabalhadora e mantém os gastos públicos na sua trajetória, aumentando assim o poder político da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, reduzi o poder de compra da política dos super-ricos. Ou seja, torna tanto a economia quanto a políticas mais justas.
A reforma do IR atual é apenas o primeiro passo, mas é um passo essencial rumo a um mundo onde a política decide sobre a economia e não o contrário. O Plebiscito Popular proposto pelos movimentos sociais inclui mais propostas que continuam essa mudança, como o fim da jornada 6×1. Mesmo no campo tributário, já temos os passos seguintes, como acabar com a isenção de lucros e dividendos. A luta para levar a democracia ao domínio econômico é uma luta permanente da classe trabalhadora.
*Juliane Furno é economista, doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)