Com a ascensão da luta indígena nos últimos anos e a expansão das medicinas da floresta, tornou-se comum ver colares, brincos e pulseiras artesanais circulando para além dos contextos de cerimônia, aldeias e eventos específicos e se tornando um hype. Porém, já é possível notar que essas artes, que são, na verdade, a expressão de um povo e sua espiritualidade, passaram a ter um valor simbólico para os não indígenas com capital social que supera o capital financeiro arrecadado por quem produz.
Nas festas de casamento, nos congressos acadêmicos, nas palestras de espiritualidade, nos coquetéis da classe média e alta alternativa, nos bares e baladas das grandes metrópoles, entre outros espaços para além da floresta, as joias indígenas se tornaram marcadores sociais. Usar essas peças é, em muitos círculos, a senha silenciosa de pertencimento ao universo ayahuasqueiro, quase um uniforme informal que comunica: “eu faço parte”, gerando um reconhecimento e uma empatia que, talvez, não devessem ser tão automáticas pelo seu vazio prático.

Entre os itens mais associados a esse marcador social estão as peças de miçanga com kene, nome dado aos grafismos tradicionais dos povos indígenas. Já as chamadas biojoias, feitas com sementes, fibras e outros elementos da natureza, curiosamente, não têm o mesmo apelo. Esse grupo que se utiliza desse marcador costuma dar maior prestígio às joias de miçanga com kene, que funcionam como uma identidade visual mais imediata, colorida e impactante, enquanto as biojoias, apesar de sua riqueza simbólica e de conexão direta com o território, não alcançam o mesmo reconhecimento dentro dessa lógica estética de diferenciação social.
Mas o que exatamente se comunica quando se adorna com esses símbolos?
Na maioria das vezes, a profundidade do uso não acompanha a força do objeto. A joia, que para muitas mulheres indígenas carrega memórias, rezas e técnicas transmitidas há gerações, tem sido usada por não indígenas como um código que funciona como um passaporte simbólico. Ao trazê-la ao corpo, marca-se um estilo de vida alternativo, espiritualizado, ligado a bioculturas ancestrais, principalmente a ayahuasca. Contudo, esse marcador muitas vezes tem a profundidade de um pires: é mais signo de consumo do que uma experiência real de relação com a população indígena.
Esse fenômeno é recorrente na história: quando não indígenas se aproximam dos indígenas, quase sempre ganham mais do que os próprios indígenas, independente do valor financeiro envolvido. Ganham prestígio, credibilidade, aura de autenticidade e muitas outras coisas que dinheiro nenhum pode comprar. Enquanto isso, as comunidades seguem lutando por território, por saúde e por condições de sobrevivência. E isso se repete em diversas escalas: da academia que publica artigos sem devolver em nada as aldeias, até a pessoa que posta fotos nas redes sociais usando arte indígena para ganhar status ou ostentando aquele belo cocar emoldurado na sala de estar que é retirado do seu campo de força para adentrar no último grito da decoração moderna e sofisticada na casa de alguém que sequer se importa com essa população.
É preciso reconhecer que, ao mesmo tempo, essas vendas são hoje uma das fontes mais importantes de renda para, principalmente, as mulheres indígenas. A circulação dessas joias ajuda na autonomia financeira e fortalece famílias e comunidades. Portanto, não se trata de desestimular o uso. O problema não é comprar, vestir ou adornar a casa. O problema é quando se investe financeiramente em algo para passar uma mensagem vazia e mentirosa de conexão com os povos indígenas. E sim. As pessoas compram esse discurso. Por isso, não é uma escolha trivial. Tudo passa uma mensagem.
Para quem está fora das aldeias, fica a reflexão: até que ponto você está disposto a ir além da superfície estética? Comprar uma pulseira com um kene Huni Kuin da jiboia, por exemplo, é um gesto legítimo, mas é só o primeiro passo. Aprofundar o vínculo, reconhecer a autoria, apoiar a luta territorial e entender que aquele objeto é também uma extensão de um povo é o que faz a diferença entre a apropriação rasa e a aliança verdadeira.
A moda passa, os marcadores sociais se transformam, mas o que sustenta os povos indígenas vai muito além da estética: é espiritualidade, cultura e sobrevivência. O convite é para que o uso das joias não seja apenas uma moldura bonita para a vida urbana alternativa, mas um ponto de encontro real com a potência e a dignidade dos povos que as criam.
Agradeço a Reluz Art Brasil pelas imagens.