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O efeito das taxações de Donald Trump na soberania tecnológica

Sem soberania na produção de hardware, não há democratização real da inteligência artificial.

Na última semana, Donald Trump anunciou uma nova política de taxação para os Estados Unidos. O efeito sentido foi o de uma catástrofe na bolsa de valores, e os principais analistas políticos do mundo atestam que esse é um golpe contra a própria economia dos Estados Unidos, podendo até mesmo levar o país a uma recessão. 

A medida de Trump gerou o início de um conflito comercial com a China, que adotou uma política de reciprocidade às taxas. Enquanto as bolsas de valores do mundo seguram a respiração, podemos observar que, economicamente, as principais afetadas foram as empresas de tecnologia dos EUA, que têm uma alta dependência de produtos produzidos na China. Porém, as taxações de Trump também são um duro golpe contra o planejamento tecnológico chinês, que também tem uma dependência de produtos importados dos EUA.

A produção material ainda é o centro da questão

No mundo da tecnologia, cada vez mais nos perdemos em um emaranhado de venda e consumo de serviços. Redes sociais, programas de computador, games, infraestruturas em nuvem, serviços de envio de mensagens e inteligências artificiais são alguns dos serviços e bens materiais oferecidos pelas empresas mais valiosas da bolsa de valores de Nova York.

Facilmente podemos cair na ilusão de que todos esses serviços são baseados em “bens imateriais”, principalmente quando somos constantemente bombardeados com termos como nuvem, cloud computing, etc. Apenas, como dito, uma ilusão. Não existe tecnologia da informação imaterial, já que tudo, desde seu WhatsApp até seu jogo de videogame favorito, está alocado em um componente físico. Em um bem muito material, por mais que às vezes ocupe um espaço imperceptível para a visão humana, em nanômetros.

Para pensarmos em qualquer tipo de soberania tecnológica ou de democratização da tecnologia, é necessário que pensemos nesses bens materiais e em toda a sua cadeia global de produção.

Toda inteligência precisa de um cérebro

Não há como negar que, dentre as tecnologias que vêm impactando a disputa geopolítica mundial, a Inteligência Artificial encontra-se no topo do pódio nos últimos anos.  

EUA, China, União Europeia e talvez o Brasil já colocaram essa tecnologia como vital em seu desenvolvimento interno. Como dito anteriormente (A China já venceu a guerra das inteligências artificiais, mas enfrenta outra guerra ainda mais feroz ), as IAs ainda são tecnologias que estão muito longe de seu potencial e tem uma alta dependência de um desenvolvimento material para se desenvolver. Nesse ponto, as tarifas de Donald Trump são um duro golpe, pois os EUA ainda dispõem de boa parte da produção final do produto que atualmente é o cerne das inteligências artificiais.  

Um componente chamado Unidade de Processamento Neural. Ele atualmente é essencial para o uso de inteligências artificiais mais avançadas, pois é um tipo de processador que acelera profundamente o funcionamento de uma IA, além de ter um consumo energético bastante reduzido em comparação a outros processadores. Ainda não é o componente perfeito, como é o caso dos processadores quânticos, mas é o mais avançado que temos hoje.  

Quem domina a produção desse tipo de componente é a Nvidia, empresa especializada em placas de vídeo e que atualmente é considerada a terceira mais valiosa do mundo, ficando apenas atrás da Microsoft e da Apple nesse momento.  

Ela foi uma das que menos sentiram os impactos econômicos da tarifa de Donald Trump.  

Também foi uma das que mais sentiram o impacto econômico do lançamento do DeepSeek em fevereiro, já que o modelo chinês utiliza muito menos poder de processamento. Logo, a Nvidia se recuperou, após a indústria entender que um modelo que usa menos poder de processamento não reduziria a necessidade desse poder, mas abriria possibilidades ainda maiores para o campo das IAs.  

Foi uma das primeiras a anunciar que, após as tarifas de Donald Trump, abriria fábricas para a produção de chips de processamento neural em solo estadunidense.  

E ela também foi proibida pelo governo dos EUA de vender chips de processamento neural para a China, que no momento enfrenta escassez desse tipo de processador.  

As taxações de Donald Trump objetivam várias coisas, mas um dos principais objetivos é trazer a Nvidia ainda mais para perto de si. E com o anúncio de produção de chips em solo estadunidense, ele garantiu esse objetivo, podendo atrapalhar muito os planos da China ao privá-la desse recurso material.

O efeito devastador na democratização de IAs

Após o lançamento do Deepseek R1, o mundo contemplou a possibilidade de um modelo tão avançado quanto o poderoso GPT, porém muito mais econômico. É um modelo que pode rodar em computadores domésticos, mesmo que esses sejam caros.  

Além disso, poderia ser adotado por governos e outras instituições do mundo inteiro e modificado (ou retreinado) para fins específicos por um custo muito menor.  

Porém, a política de taxação de Trump distancia o mundo desse objetivo. Para uma IA funcionar, ela precisa de um local para isso. Um dispositivo físico. E eles ficarão muito mais caros agora.  

Ainda é difícil imaginar o quão mais caros ficarão, porém diversas empresas que lançariam hardwares (componentes físicos) decidiram adiar o lançamento desses produtos para analisar novamente seus preços. Isso ocorreu com a Nintendo, que interrompeu a venda antecipada de seu novo videogame e removeu as informações sobre seu preço em alguns países.

As consequências podem trazer um novo salto tecnológico

Em meio a todos esses ataques por parte dos EUA, após provar suas capacidades tecnológicas, a China já sabe que as NPUs não são o futuro do processamento computacional, mas sim o presente.  

O futuro são os processadores quânticos e, ao mesmo tempo em que retaliava as taxações estadunidenses, dois importantes fatos passaram quase despercebidos.  

O primeiro foi a apresentação do projeto de regulamentação de IAs em território chinês, sendo algo muito mais interessante do que os apresentados pela União Europeia, EUA e Brasil, por exemplo. Tal projeto, além de oferecer proteções à população contra possíveis usos criminosos e antiéticos de IA, também reafirmou o compromisso chinês no desenvolvimento desse tipo de ferramenta, tornando, por exemplo, o estudo de Inteligências Artificiais uma disciplina do currículo escolar padrão já no ensino fundamental.  

O segundo foi o anúncio de investimento massivo na pesquisa e desenvolvimento de processadores quânticos, IAs e tecnologias avançadas de produção energética por parte do governo chinês. (https://www.reuters.com/world/china/china-set-up-national-venture-capital-guidance-fund-state-planner-says-2025-03-06/ )  

Ao mesmo tempo, na última semana, a Universidade de Hefei, na China, anunciou que, pela primeira vez, conseguiu utilizar um computador quântico para treinar um modelo de IA avançada (https://www.chinadaily.com.cn/a/202504/07/WS67f3a2bba3104d9fd381df3e.html ).


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