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Trabalha há cerca de 20 anos com tecnologia, formado em Ciência de Dados pela Universidade Johns Hopkins e atualmente cursando Ciência de Dados e Inteligência Artificial na FIAP-SP. Atua como Cient...ver mais

As Inteligências artificiais, a pirataria e o combate às patentes

Nenhum tipo de originalidade ou direito individual sobre algo pode estar acima do bem-estar de um povo

Nas horas vagas, eu ainda tenho uma paixão antiga: O desenvolvimento de websites. É um tanto contraintuitivo pensar que alguém que atua com tecnologia tem como hobbies outras atuações com tecnologia. Mas sou um cientista de dados que gosta de programar e de mexer com hardware. São duas coisas que me relaxam.

Estava construindo um website há algum tempo e me deparei com algo que sempre ocorria antes. Precisava criar uma funcionalidade no website que não era tão simples. Existem algumas formas de fazer isso, quando pensamos em um gerenciador de conteúdos como o WordPress: buscar um plugin ou desenvolver o código da funcionalidade na unha.

Como era uma funcionalidade complexa e não teria tempo de desenvolver, fui buscar um plugin com a funcionalidade necessária e descobri que ele custava uma pequena fortuna em dólares. Abandonei a ideia naquele momento e voltei para outros afazeres.

No meio da noite, uma luz piscou no meu cérebro. Levantei da cama e me dirigi ao computador, onde abri o meu modelo próprio da Inteligência Artificial Deepseek. Logo estava levantando o máximo de informações que poderia encontrar online sobre o plugin que eu precisava: documentações, reações de usuários, imagens e até um código dele rodando em outro website.

Alimentei a inteligência artificial com todos esses dados e lancei as palavras mágicas para ela: “Crie o Plugin para mim”. Todo o processamento demorou alguns poucos minutos e logo todas as 8 mil linhas de código necessárias para fazer aquilo funcionar estava disponibilizado no meu computador, tendo poucas diferenças de funcionalidades e uma perceptível melhoria de performance em comparativo com o plugin pago que havia encontrado.

Basicamente, eu criei um PLUGIN GENÉRICO. Ele tinha a mesma funcionalidade e, ao mesmo tempo, era um código completamente diferente quando comparado à sua versão original e muito cara.

Eu também poderia ter pirateado o plugin original, mas isso seria também complexo. Teria que estudar o seu código e alterá-lo. Além disso, sempre há o risco de sofrer uma multa. Também poderia buscar versões pirateadas na internet, mas aí sempre há o risco de acabar expondo o meu website a algum vírus ou algo parecido.

Sou um grande defensor da pirataria como meio de acesso à cultura, serviços e até mesmo identidade. Posso dizer que não seria nem metade do que eu sou, se não fosse a pirataria.

Essa experiência de substituir a pirataria clássica por uma criação genérica em inteligência artificial me abriu os olhos para muitas coisas.

Vivemos em uma realidade em que todo o sul global é refém de patentes que nos tornam reféns do norte global. Precisamos pagar direitos para o uso de medicamentos, softwares, produtos agrícolas e tantos outros produtos essenciais para a subsistência.

Não conseguimos competir com o poderio financeiro do norte global que nos tira tudo, inclusive nossos especialistas em diversas áreas. 

Dominar inteligências artificiais também é uma arma para enfrentarmos isso.

O Governo Lula I e II foram pioneiros importantes no enfrentamento de patentes, liberando a criação de genéricos de diversos medicamentos essenciais para garantir a saúde do povo brasileiro. Precisamos de um novo avanço nesse caminho.

Assim como eu pude fazer com um software, podemos fazer com outros softwares, medicamentos e tantos outros produtos que tem domínio de grandes empresas. Encontrar formas diferentes e alternativas de atingir o mesmo resultado ou até melhores.

Para isso, é essencial um planejamento articulado de desenvolvimento de modelos de Inteligências Artificiais e construção de uma infraestrutura própria, onde tenhamos soberania real para fazermos aquilo que achamos necessário fazer como povo sem que sejamos reféns de infraestruturas do norte global.

Isso, claro, se nos livrarmos também de algumas ideologias do neoliberalismo que coloca a tal originalidade acima do bem comum. Também temos muito a aprender com a China sobre essa área, pois nenhum tipo de originalidade ou direito individual sobre algo pode estar acima do bem-estar de um povo.

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