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PL da Devastação: os vetos de Lula e os riscos persistentes de empoderar o crime organizado na Amazônia

É fundamental que a sociedade civil, organizações ambientais e povos tradicionais sigam na luta pela preservação e por uma governança ambiental forte e eficaz

Recentemente, o artigo Brazil’s “devastation bill” empowers criminals, de André Giles e Bernardo M. Flores, publicado na Science, trouxe uma reflexão crucial sobre a crescente ameaça que o Projeto de Lei 2159/2021 representa para a Amazônia e o futuro ambiental do Brasil. A “Lei da Devastação”, caso fosse sancionada sem os vetos do presidente Lula, poderia enfraquecer a governança ambiental do país e abrir portas para uma expansão ainda maior das atividades criminosas na Amazônia, contribuindo para que a região atinja um ponto de não retorno.

Ao vetar 63 pontos do projeto, Lula freou parte da “boiada” que comprometeria ainda mais a governança ambiental e a proteção dos nossos biomas. No entanto, as incertezas ainda permanecem sobre como os demais pontos podem acelerar projetos destrutivos e enfraquecer os mecanismos de licenciamento ambiental, o que representa uma ameaça para os próximos anos.

A nova Lei Geral do Licenciamento, sancionada com esses vetos parciais, ainda preserva mecanismos que permitem a aprovação de projetos de alto impacto ambiental sem a devida análise das consequências socioambientais. Por exemplo, a implementação da medida provisória que acelera o licenciamento de empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo e garante equipes dedicadas a essas análises. Tais dispositivos podem ser usados para acelerar projetos como mineração e a expansão do agronegócio, colocando em risco ecossistemas vitais e territórios indígenas e quilombolas, além de permitir o avanço das economias ilegais no país.

O veto parcial de Lula foi uma medida positiva, mas ainda deixa uma incerteza sobre a aceitação do veto pelo Congresso. A princípio, os vetos funcionam como uma medida de contenção da possível aceleração da expansão territorial do crime organizado no território, como alertado pelos cientistas.

A descentralização ampla, que permitiria a cada estado ou município definir sozinho critérios, e o avanço de empreendimentos em territórios quilombolas e indígenas, poderiam facilitar o avanço de economias ilegais que afetam diretamente as comunidades locais e os ecossistemas, como o desmatamento, a exploração predatória de recursos naturais e a violação dos direitos das populações tradicionais.

Portanto, o veto presidencial representa uma vitória, que deve ser mantida pelo Congresso. Se a Câmara dos Deputados não acatar os vetos, o risco iminente para a Amazônia persistirá e o Brasil continuará correndo o risco de ver o crime organizado ganhando território e poder político, ao mesmo tempo em que enfraquece a governança local por meio do medo e da corrupção. 

Para evitar esse cenário, é fundamental que a sociedade civil, organizações ambientais e povos tradicionais sigam na luta pela preservação e por uma governança ambiental forte e eficaz. Em sinergia, é indispensável que o governo federal e o Congresso atendam aos apelos de proteção ambiental e busquem alternativas para fortalecer a legislação, criando um modelo de desenvolvimento que respeite os territórios e a biodiversidade, ao mesmo tempo em que promova justiça social para as comunidades locais.

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Maria Antônia Perdigão é jornalista, mestre em Comunicação Social e consultora em comunicação socioambiental. Atualmente, atua como coordenadora de comunicação da Rede de Sementes do Cerrado (RSC).

André Giles é biólogo e doutor em Ecologia com atuação voltada à restauração ecológica e à conservação das florestas brasileiras.

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.

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