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A quem interessa o modelo de educação pública implementado no Paraná por Ratinho Jr? Parte II

O desdém com que tratam nossas queixas sobre o cotidiano escolar resplandece em suas faces, denuncia

Na semana que inicia o segundo semestre letivo na rede pública de educação do Paraná, professores e professoras de todas as escolas se reuniram por dois dias para planejar o trabalho dos próximos meses. Infelizmente, como tem ocorrido ao longo dos últimos 15 anos, esse importante momento de reflexão sobre a prática docente e, igualmente, sobre questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem, foram suplantados pela lógica da plataformização da educação dos filhos das classes trabalhadoras.

Durante esses dois dias, os problemas sobre o crescimento vertiginoso de casos de bullying, racismo, importunação contra as alunas, dificuldade de aprendizagem, aumento de alunos portadores de necessidades especiais nas salas de aula sem a devida assistência, entre tantos outros, foram menosprezados frente ao chicote das metas que estala cada vez mais forte em nossas costas. O avanço da plataformização na educação do Paraná não se dá senão às custas da crescente carga de trabalho, do assédio e do adoecimento dos professores e professoras.

Segundo dados divulgados pelo próprio governo do Paraná, 48% dos afastamentos de professores no ano de 2018 estavam relacionados a transtornos mentais e comportamentais. Em 2023, o sindicato da categoria realizou uma pesquisa com 300 professores(as). Dentre o conjunto de dados coletados, ressaltamos alguns:
 95% declararam estar havendo cobrança por resultados e metas; 73% se sentem obrigados a utilizar as plataformas digitais de aprendizagem, como Redação Paraná; Leia Paraná; Quizzes; Inglês Paranás, entre tantas outras. Do total de entrevistados, 43% consideram estar havendo práticas assediadoras e abusos de autoridade.

Outro dado importante, também revelado pela pesquisa, indica que 69,7% dos entrevistados sentem que a pressão pelo uso das plataformas digitais e a imposição de metas têm impactado negativamente no exercício da sua profissão. Significativo é, igualmente, o dado que revela que, a cada 10 professores, 9 avaliam que esta política tem resultado em sobrecarga de trabalho, cuja consequência mais direta parece ser justamente sobre a nossa saúde, uma vez que 74,3% apontaram perceber impactos na saúde física e mental.

Violência, convencimento ideológico e ataque à gestão democrática 

Para atingir seu vil propósito, o governo do Paraná instituiu uma política de bonificação às direções cujas escolas atinjam as metas estabelecidas. Ao mesmo tempo, vem corrompendo a gestão democrática de tal forma que a escolha da equipe diretiva acaba por evidenciar uma sua homologação. Exemplo maior desse ataque à gestão democrática tem sido o constante recurso à destituição de direções de escolas que não alcançam os índices, como se o problema fosse meramente administrativo.

Para aprofundar o controle sobre o corpo docente, o governo buscou uma ferramenta de inteligência empresarial de análise de dados (Power BI), capaz de transformar uma imensa quantidade de dados não relacionados, fornecidos a cada aula, em cada uma das escolas estaduais, por cada um dos professores e professoras da rede, em informações coerentes. Ela fornece relatórios diários sobre frequência dos alunos e de acesso a cada uma das plataformas, mas, fundamentalmente, ranqueia os professores, por cores, de acordo com a produtividade de cada um. Os menos “produtivos” são destacados com a cor vermelha. Da mesma forma, alunos e turmas também são expostos. É a partir desse conjunto de dados, vigiados a todo instante, que chefias atuam para pressionar equipes diretivas e pedagógicas, que, por sua vez, são instigadas contra os professores e professoras.

A esse processo, somam-se o avanço da militarização e da privatização das escolas públicas do Paraná, cujas administrações correm menos risco de se desviarem da busca ensandecida por atingir metas e enxergam a si mesmas como liberadas para exercer toda e qualquer forma de assédio contra quem ousa se opor a seus desmandos. Afinal de contas, quando nos dizem que as escolas militarizadas têm mais disciplina, o que elas estariam autorizadas a fazer que não pode ser feito nas escolas regulares? Esse conjunto de medidas representa mecanismos de controle da gestão da educação básica por meio dos quais o governo vem submetendo o direito à educação pública à lógica do lucro acima da vida.

As ações do governo não se restringem, entretanto, aos mecanismos de coerção. Desde 2022 a gestão de Ratinho Jr tem intensificado uma política de formação continuada do corpo docente voltada à divulgação e propagação das inúmeras plataformas adquiridas pelo Estado com dinheiro público. Os cursos, ofertados em três momentos ao longo do ano letivo, abordam o uso das diferentes plataformas digitais de aprendizagem e, ao invés de abordar temas relacionados às áreas do conhecimento, voltam-se exclusivamente para instrumentalizar os professores a usarem tais plataformas em sala de aula. Como tarefa final, os cursistas são obrigados a aplicar uma atividade, em uma de suas turmas, fazendo uso de metodologias ativas ou das plataformas digitais de aprendizagem.

Esse complexo de medidas tem impactado negativamente na consciência dos trabalhadores e trabalhadoras da educação. Por um lado, a maioria daqueles submetidos mais diretamente à plataformização não conseguem vislumbrar possibilidade alguma de resistência e, portanto, de alteração imediata nas condições de trabalho. Por outro, uma parte, ainda que pequena da categoria, vem, desde a pandemia de COVID-19 (2021-2022), encantando-se com a plataformização e atuando nas escolas em favor do cumprimento de metas, expondo colegas que resistem e, mais grave ainda, propondo ações meritocráticas, como prêmio em dinheiro ou exposição dos dados de acesso às ferramentas digitais com vistas ao constrangimento de estudantes e do corpo docente.

O mais recente instrumento para impor a lógica privatista na educação pública paranaense é o programa “Ganhando o Mundo Diretor". Cem diretores foram selecionados para fazer formação pedagógica no Chile, país tomado como exemplo por muitos políticos brasileiros, sobretudo aqueles alinhados ao bolsonarismo, no qual a educação básica funciona como um híbrido entre público e privado. Lá, o Estado cumpre um papel de subsidiário da Educação Básica em favor do setor privado.

Mas o governo não lograria tamanho êxito não fossem seus soldados rasos, uma pulha de puxa sacos, que há muito deixaram de ser professores, prontos a “transformar um banho de piscina numa batalha naval”. Essa camarilha tem um único privilégio: estar fora de sala de aula e, para mantê-lo, não poupam esforços em reproduzir os excessos do executivo. No entanto, sempre que confrontados, soltam logo um: “só estou cumprindo ordens”, entoando o mantra daqueles que não se constrangem em praticar toda e qualquer atrocidade.

Não há terror que dure para sempre

Esses tutores, embaixadores!? e chefias, adentram nossas escolas sorrindo e saudando a todos e todas, como se não fossem eles mesmo os responsáveis pelo clima de terror, assédio, perseguições e punições ,que se instalou nas escolas estaduais do Paraná. Caminham pelos corredores com empáfia e adentram nossas salas de professores como se lhes devêssemos a honra da presença. É claro que, alguns de nós, mais inclinados à tietagem, não se poupam o constrangimento de abraçá-los e, sorridentes, logo estendem um celular para uma selfie com a chefia!

O desdém com que tratam nossas queixas sobre o cotidiano escolar resplandece em suas faces, denunciando seu total desligamento com os reais interesses da educação pública. No entanto, já não passam mais invulneráveis. A cada dia, mais e mais professores e professoras se prostram a lhes questionar. Aqueles que ainda defendem a escola e a educação públicas como um direito, que não se dobram e não se vendem e, mais, que não se enxovalham na mendicância empedernida por um cargo, cujo “sangue vermelho da fúria amordaçada” ainda grita em favor da nossa emancipação, estes, que nunca se calaram, não se calarão. Falta-lhes, porém, um instrumento de luta capaz de levar às últimas consequências a tarefa histórica que estes tempos sombrios nos cobra.

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