A manhã estava insuportavelmente quente e o asfalto dava para fritar um ovo ou fazer uma feijoada daquelas bem suculentas com farofa. Era um domingo calmo e não tinha Fórmula 1 na TV. As ruas estavam vazias tipo um lockdown da pandemia do coronavírus.
De repente, um acidente. Um atropelamento. Curiosos vieram de todos os lados. Uma mulher ao chão. Começa o desespero. Chama a polícia. Chama o Samu. Também fui ver o acidente. A rua encheu como num clássico no Mineirão. Muito desespero. Uns culpavam a mulher, outros o motorista de uma kombi caindo aos pedaços.
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Ela gritava de muita dor. Pedia ajuda a todo momento. Algo me chamava a atenção. Seu olhar era de medo. E não de dor.
Quando escuto: – psiu…psiu… vem aqui, moço.
Era a mulher que estava no chão acidentada.
– Por favor, me ajuda.
– Sim. Já chamamos o Samu. Você está bem?
– Estou com um pouco de dor. Tô preocupada também. Com o meu celular
– Uai! Que foi?
Por favor, pega rápido na bolsa e some com ele daqui.
– Por quê?
– Pega rápido, moço.
– Num tô entendendo.
– Moço, te chamei porque você tem cara de bom moço. E está com esse livro na mão aí do Trotsky. Deve ser comunista. Comunista não julga ninguém e parece ser gente boa. Estou preocupada com meus nudes.
– Como?
– Meus nudes, porra! Pega meu celular na bolsa, rápido!
– Você está falando sério?
– Moço, deixa de ser mole. Tô aqui com muita dor e preocupada com meus nudes. Imagina vazar minhas fotos?
– Tá bom! Como faço para te devolver?
– Vou te ligar assim que sair do hospital. Moço comunista…
– O quê?
– Muito obrigada.
– Nada. Última pergunta, pode?
– Fala, moço!
– Posso vê?
– Sai daqui agora!
– Tá bom!
– Vou esperar você me dar um toque, então!
– Salve!
Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.