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Músico, escritor e militante do coletivo Solidariedade Cidadã.

Beijo do gordo

Ele me mostrou todo o estúdio. Me deu a caneca do programa de presente. Me apresentou o sexteto

Na minha juventude, eu tinha uma banda de punk rock.  O sonho era mudar o mundo e tocar no programa do Jô. O sonho de mudar o mundo continua.

Um dia, acordei decidido que iria participar do programa do Jô. Comprei uma passagem de Belo Horizonte para São Paulo. Cheguei à cidade da garoa com aquele clima típico paulistano: um frio danado. 

A TV Globo fica em um dos bairros mais ricos de Sampa. Eu estava nas quebradas paulistas. Iria atravessar a cidade e passar pela esquina mais famosa do Brasil: Ipiranga com São João. “Tuas esquinas erundinas e suas mais completas contradições”. São Paulo são tantas cidades que, essa floresta de concreto e aço, vira poesia na voz do famoso poeta do rap nacional, que traduz suas desigualdades como uma Torre de Babel sonora.   

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Bem, voltando à minha história, chego à porta da TV Globo. Um segurança na guarita, e não estava com cara de bons amigos, me pergunta:

– E aí, garoto, o que você faz aqui? Tá atrapalhando meu serviço.

– Calma, chefia! Colé que é? Tô querendo assistir o programa do Jô Soares.

– Não vai ter jeito. Só entra convidado. Sai vazado. Não quero ver sua cara. Sai fora.

– Colê, irmão? Tu é preto também. Se liga no bagulho. Vai ficar aí, me tirando e pagando de gatão?

– Tá vendo aquele ônibus ali? São convidados de uma faculdade de outro estado. Agora sai fora.

– Tu é capitão do mato. Aposto que trata bem os playboys, os branquinhos, né?

Fui na direção do ônibus. Minha intenção era me misturar no meio daquela gente. Qual foi a minha surpresa? A excursão era de estudantes do Sul do país, de uma colônia de alemães, e só desceu gente branca de olho azul e a maioria mulheres.

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Pensei: “Fodeu!”.

Mesmo assim, me infiltrei no meio e fui entrando na cara de madeira.

Na porta do estúdio, para entrar para a gravação do programa, tem uma lista de confirmação dos nomes. O segurança gritava os nomes e a pessoa se identificava.

Pensei de novo: “Fodeu!”.

Ao meu lado, uma garota muita simpática, com um jeito muito agradável. Resolvi arriscar e puxei conversa.

– Moça, me ajuda pelo amor de Deus! Sou de Belo Horizonte, sou artista e tenho um sonho de assistir ao programa do Jô e mostrar meu CD pra ele.

– Pensei que você fosse da Globo.

– Não, não sou. Faltou alguém da excursão de vocês?

– Faltou.

– Quem?

– O Wolf Karl-Heinz.

– Meu Deus! Esse nome é muito alemão. O segurança vai sacar que não sou eu. Não acredito que não vou conseguir.

Ela teve a ideia de falar minha história para a coordenadora da excursão e colocar meu nome no lugar do Wolf. A coordenadora aceitou e ainda me acolheu. Fiquei amigo do povo todo. Eles me deram a maior força. Povo gente fina demais.   

Entrando no estúdio, o Jô estava na porta e veio em direção da gente. Ele olhou, olhou e me deu uma zoada:

– Tem um alemão ali naturalizado.  Me dá um abraço aqui!

Ele me mostrou todo o estúdio. Me deu a caneca do programa de presente. Me apresentou o sexteto.

A zoeira foi geral. O povo ria alto pra caramba. Foi muito divertido.  

Esse dia foi mágico. Ficará para sempre na minha memória e coração. Valeu, Jô!

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

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