Certa noite, bem tarde da noite, recebo uma mensagem no zap de um grande amigo de infância que já fazia um tempão que não via. Me espantei, claro! Fiquei pensando o porquê de tal mensagem àquela hora da noite e de um amigo que havia sumido por pelo menos duas décadas.
Ele me perguntou:
— Você pode falar agora? Sabe quem tá falando aqui?
Respondi que sabia e que poderia, sim.
Mas muito ressabiado com ele. Fiquei de prontidão.
Ele disse:
— Amanhã é dia de São Cosme e Damião, né?
— É.
— Você lembra como éramos felizes naquelas festas na casa da mãe Menininha do Gantois?
— Éramos muito felizes! Chegávamos muito cedo para não perder um só segundo da festa. A molecada ia em peso. Entrávamos na fila várias vezes para pegarmos vários sacos de balas e doces.
— Pois é! Deu saudade! Tô querendo ir amanhã com você, topa?
— Uai, eu não perco uma. Você sabe disso. São Cosme e Damião são meus protetores.
— Eu sei. Por isso, descobri seu telefone e resolvi entrar em contato. Eu quero muito ir amanhã lá.
A conversa se desenrolou madrugada adentro. Eu estava realmente curioso com aquela conversa, pois soube que meu amigo tinha virado evangélico e ficado muito rico, e até queimado os discos da Legião, Paralamas e Racionais. Mas topei e marquei com ele de ir à festa de São Cosme e Damião.
Ele realmente veio e fomos à festa. Não lhe perguntei nada. Ele estava muito feliz. Seu sorriso não era um sorriso Capitu. Parecia uma criança ali. Nos abraçamos muito. Conversamos sobre tudo. Só não falei sobre o tema religião. Respeitei meu amigo. Reparei que sua roupa era caríssima. Os sapatos pareciam ser aqueles italianos. Ele chamou a mãe Menininha e deu alguma coisa pra ela.
Ele sumiu. Desapareceu novamente. Tentei contato com aquele número, mas a ligação só caía na caixa postal. Enviei milhares de mensagens. Nada. Eu desisti. Não tentei mais.
Os anos se passaram. Eu continuei indo às festas de São Cosme e Damião. Sempre lembrando daquele dia com meu amigo. Não saia da minha cabeça. Foi um dia muito diferente.
Numa certa manhã, bem cedo, muito cedo, a campainha toca insistentemente na minha casa. Acordo assustado. Do alto do muro, vejo uma mulher muito bonita e elegante. Ela parecia triste. Sem trocar uma palavra, me entrega uma carta. Ela entra no carro e vai embora. Ela se despede no olhar. Estava com óculos escuros e vestida toda de preto. Vi uma garota adolescente também no carro. Lembrava muito meu amigo.
O carro dá marcha à ré, fica parado por um minuto e arranca de repente e vai sumindo no fim da rua.
Era uma carta do meu amigo. Ele me agradecia pelo dia que proporcionei a ele no dia da festa de São Cosme e Damião. A carta era enorme, em um trecho ele explicava o motivo daquele encontro:
“Só quero agradecer pela companhia naquele dia. Você me provou o que era o amor de verdade de uma amizade. Nascemos na mesma rua e na mesma quebrada. Você continua o mesmo cara gente boa. Jogamos bola juntos. Dividimos a primeira bicicleta e a primeira namorada. Enfim, eu tinha poucos dias de vida. Você me proporcionou um dia inesquecível. Muito obrigado, meu amigo. Continue protegendo nossa molecada das quebradas.
Viva São Cosme e Damião!”