1891, final do século 19, o capitalismo em plena forma, expandindo-se pelo mundo, um Papa de nome Leão – um dos grandes amigos de Francisco de Assis no final de sua vida chamava-se Leão -, o Papa Leão 13 escreve uma Encíclica com o título ‘RERUM NOVARUM – das coisas novas’, que aborda questões sociais, os direitos dos trabalhadores e inaugura a Doutrina Social da Igreja católica.
É preciso ler ou reler a Rerum Novarum, que eu lia em latim nos anos 1960, quando estudava no Seminário Seráfico em Taquari (RS) e depois, nos anos 1970, como estudante de Teologia na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).
Escreve Leão 13 na Introdução da Rerum Novarum: “1. A sede de inovações que há muito tempo se apoderou das sociedades e as têm numa agitação febril devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efetivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração da relação entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos de um pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isso, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.”
Leão 13 parece estar escrevendo e falando em 2025, século 21. Diz mais a Rerum Novarum, de 1891: “Por toda parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si só basta para mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo. Esta situação preocupa e põe ao mesmo tempo em exercício o gênio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das reuniões populares, a perspicácia dos legislados e os conselhos dos governantes, e não, há presentemente, outra causa que impressione com tanta veemência o espírito humano.”
Diz mais, em 1891: “Causas do conflito. 2. Em todo caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma proteção: os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância e de insaciável ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários.”
Escreve Leão 13 mais adiante, sempre lembrando, no ano de 1891: “Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vista a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas (…) Enfim, os ricos devem precaver-se religiosamente de todo ato violento, toda a fraude, toda a manobra usurário que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre.”
Não foi o saudoso Papa Francisco que escreveu tudo isso no século 21, em 2025, mas Leão 13 em 1891, e que agora, felizmente, é seguido por um novo Papa, Leão 14, americano de nascença, mas peruano e latino-americano de coração, tendo, inclusive, falado várias vezes em espanhol, e nunca em inglês nas suas saudações iniciais. Até analistas e vozes da grande imprensa escrevem: “É com a homenagem a Leão 13, porém, papa em cujo longo pontificado foi publicada a ‘Rerum Novarum’, que Roberto Prevost eleva as expectativas de sua missão. A Encíclica, de 1891, foi a primeira a abordar a desigualdade, a justiça social e a relação entre o capital e o trabalho. (…) Foi ainda o papa que reconciliou a Igreja com a ciência, abrindo os arquivos secretos do Vaticano para os pesquisadores, e se dedicou a modernizar a comunicação com os fiéis, se deixando gravar em som e vídeo” (Maria Cristina Fernandes, ‘Prevost também é resposta do Vaticano a Trump’, Valor Econômico, 09.05.25, p. A20).
Os desafios dos cristãos católicos e todas e todos aquelas e aqueles que têm fé são imensos nos tempos atuais: as guerras e a paz, a violência, a crise climática, as políticas públicas com participação social e popular, a democracia desafiam todas e todos as-os que acreditam num´outro mundo possível´, urgente e necessário, com justiça social, com igualdade, com cuidado com a Casa Comum.
Resta dizer, lembrar e rezar as palavras, lutar pelos sonhos e utopia de Pepe Mujica: “Minha ideologia é simples: viver com dignidade, lutar pela justiça e cuidar do Planeta.”
Papa Francisco, vivo e presente! Pepe Mujica, vivo e presente!
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.