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Trabalhador petroleiro, coordenador geral do Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco e Paraíba, estudante de Ciência Política e pai de João e Felipe.

O Brasil não deve abrir mão de sua soberania sobre a Margem Equatorial

Corremos o risco de cometer o antigo erro de converter nossas riquezas naturais em ganhos imediatos, renunciando ao protagonismo na geopolítica energética

O Brasil enfrenta hoje um evidente conflito entre os interesses de curto prazo e a necessidade de um projeto soberano e estratégico para o futuro. A exploração da Margem Equatorial brasileira, região estratégica do nosso litoral, simboliza esse embate. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) apressou o leilão de blocos de exploração sem promover o necessário debate público e, mais grave, adotando um regime que reduz o poder de controle do Estado sobre suas riquezas.

A Margem Equatorial, que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte, concentra um grande potencial de petróleo e gás, semelhante ao que já foi identificado na costa africana. Essa área pode ser fundamental para assegurar a segurança energética do Brasil nas próximas décadas. No entanto, em vez de encarar essa riqueza como um ativo estratégico, o governo e a ANP preferem adotar uma visão imediatista, priorizando concessões aceleradas que reforçam a arrecadação no curto prazo, mas comprometem o futuro do país.

Foi exatamente isso que ocorreu no 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão da ANP, que colocou em disputa 47 blocos localizados na bacia da Foz do Amazonas. A decisão atropelou o debate público e estabeleceu um “fato consumado”, desconsiderando a experiência do pré-sal. Vale lembrar que quando o pré-sal foi descoberto o governo suspendeu os leilões até que fosse criado um modelo mais soberano e equilibrado: a Lei da Partilha (nº 12.351 de 2010). Esse regime garantiu maior presença do Estado, o fortalecimento da Petrobras e da indústria nacional, além de estimular investimentos sociais e o desenvolvimento regional.

Mas hoje esse caminho está sendo deixado de lado. O Brasil corre o risco de cometer o antigo erro de converter suas riquezas naturais em ganhos imediatos, renunciando ao protagonismo na geopolítica energética e comprometendo as oportunidades de promover um desenvolvimento sustentável e socialmente inclusivo.

Do Amapá ao Rio Grande do Norte: projeto de exploração de petróleo na margem equatorial brasileira | Reprodução

A questão vai muito além do petróleo. A Margem Equatorial deve ser reconhecida pelo que de fato representa: um elemento estratégico na disputa geopolítica mundial por energia.

Cabe ao Brasil decidir que papel deseja desempenhar nesse cenário. Vai se limitar a ser apenas um exportador de commodities energéticas, vulnerável às oscilações externas e à exploração predatória? Ou vai assumir o controle estratégico de seus recursos, direcionando a riqueza do petróleo para o fortalecimento da Petrobras, a reindustrialização do país, a redução das desigualdades e a construção de uma transição energética justa?

Infelizmente, o que se vê no Congresso aponta para o primeiro caminho. Tramitam propostas como o PL nº 3.178/2019, que flexibiliza o regime de exploração do pré-sal e áreas estratégicas, ampliando o uso de concessões, reduzindo proteção especial à Petrobras e ainda favorecendo grandes corporações em detrimento da soberania nacional. O projeto já foi aprovado na Comissão de Infraestrutura do Senado e segue agora para a Comissão de Assuntos Econômicos e depois para a CCJ. Se aprovado, segue direto – sem passar pelo plenário – para ser sancionado pelo presidente Lula.

É legítimo discutir a necessidade de arrecadação, mas é irresponsável abrir mão da soberania em nome de resultados imediatos. A receita da União com o regime de partilha cresceu de R$ 300 milhões em 2018 para mais de R$ 10 bilhões em 2024, segundo dados do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep). Ou seja, o modelo funciona e gera retorno sem comprometer o controle do Estado.

Já o 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP – criticado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) e pela Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas (Anapetro) – demonstrou que, embora esse leilão tenha gerado receita expressiva, representou um revés para a soberania e segurança energética. Petroleiras estrangeiras dominaram, sem controle estatal, áreas estratégicas como a Foz do Amazonas, reforçando o risco de perda de autonomia nacional. A exploração sob o regime de concessão sem mecanismos de planejamento social e ambiental representa a “venda da soberania”.

Por isso, a FUP e o Ineep defendem que as bacias da Margem Equatorial sejam reclassificadas como áreas estratégicas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e sob regime de partilha, para assegurar maior controle do Estado, fortalecer a Petrobras e garantir que os royalties beneficiem o desenvolvimento regional, social e ambiental.

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