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De Bonn a Belém: a política climática global precisa vencer os impasses e reconhecer os direitos dos povos

A travessia do Rio Reno ao Guamá é mais do que geográfica. É simbólica, política e histórica e pode servir como motor das negociações entre os líderes mundiais

Bruna Balbi

A Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas (SB62) entrou na segunda semana e as negociações climáticas seguem tensionadas por disputas históricas entre países do Norte e do Sul Global. Os avanços são tímidos e os bloqueios se acumulam: falta de consenso sobre financiamento climático, entraves na implementação da Transição Justa e resistência à inclusão de direitos humanos nos textos finais. Tudo isso reafirma os limites do multilateralismo – um sistema de negociação entre países que, mesmo sendo o principal espaço institucional para enfrentar a crise climática, avança lentamente, paralisado por interesses econômicos, desigualdades geopolíticas e, agora, pelo agravamento de conflitos armados que colocam em xeque a própria capacidade de cooperação internacional. 

Ainda há muito o que se definir até a COP30 em Belém (PA), mas para os povos e movimentos sociais um eixo central já se evidencia como urgente: os direitos socioambientais, os territórios e a soberania dos povos precisam, mais do que nunca, ocupar o centro das decisões climáticas – algo que ainda não se reflete nas negociações oficiais.

A delegação brasileira em Bonn é numerosa e diversa como poucas vezes antes. Povos indígenas, comunidades tradicionais, movimentos sociais e organizações populares circulam pelos corredores, participam de eventos paralelos e pressionam por maior representatividade nos debates. Contudo, essa presença ainda não se converte em incidência efetiva dentro das salas onde as negociações substantivas acontecem. Agendas estruturantes como demarcação e titulação de territórios, proteção a defensoras e defensores de direitos humanos e soberania alimentar seguem, até então, fora da pauta central das discussões.

O debate sobre Transição Justa ilustra bem esse cenário. Pela primeira vez, o texto preliminar de decisão inclui referências explícitas aos direitos humanos. Um avanço importante, construído por meio da articulação da sociedade civil e de vários países do Sul Global. Ainda assim, a fragilidade desse processo ficou evidente quando uma objeção isolada da Bolívia interrompeu um consenso que vinha sendo cuidadosamente construído. Mesmo com esse revés, a mobilização segue firme para que o texto avance até Belém com garantias efetivas e mecanismos que assegurem que esses direitos não fiquem apenas no plano das declarações formais.

Durante a SB62, as reações críticas à escolha de Belém como sede da COP30 também expõem um racismo ambiental estrutural e persistente. Tanto nos corredores quanto nos debates formais entre países, surgiram preocupações com infraestrutura e logística que, à primeira vista, podem parecer meramente técnicas. Mas, na prática, essas falas reforçam um olhar colonial que historicamente retrata a Amazônia como espaço de ausência, precariedade e incapacidade. A pressão foi tamanha que a presidência da COP30 precisou convocar uma reunião específica para tratar da logística da COP30 em Belém. Importante dizer que existem problemas concretos, como os preços abusivos de hospedagem praticados em Bonn nesta Conferência – uma questão que o Estado brasileiro poderia e deveria enfrentar em Belém, por meio de regulação e medidas de controle. No entanto, essa cobrança não tem seguido nesse sentido na SB62. O que predomina é um discurso que, ao colocar em dúvida a capacidade da cidade de sediar a COP, na prática questiona o direito da Amazônia – floresta, águas, bichos e povos – de ocupar o centro das decisões globais sobre clima.

A travessia de Bonn a Belém – do Rio Reno ao Guamá – é mais do que geográfica. É simbólica, política e histórica e pode servir como motor das negociações climáticas entre os líderes mundiais. Apesar dos avanços lentos nas negociações, há esperança presente nessa segunda semana da Conferência em Bonn. Os desafios para Belém são grandes e não serão totalmente superados. Porém, se houver um certo abandono do olhar colonizador, é possível encontrar aqui no Brasil alguns caminhos. 

Povos e comunidades tradicionais e a sociedade civil organizada de diversos países têm tentado dar o tom e demonstrado a necessidade que os líderes mundiais considerem os territórios e a soberania dos povos dentro das políticas climáticas. Justiça climática também significa reconhecer que não há transição justa possível sem territórios, sem direitos e sem a participação efetiva dos povos que historicamente protegem os modos de vida que sustentam o equilíbrio climático global. 

Em meio a esse cenário, a presidência da COP30 lançou, em sua Quarta Carta, a proposta de um mutirão global pela implementação do Acordo de Paris, convocando governos, sociedade civil e setor privado a se engajarem na superação dos desafios climáticos por meio de uma Agenda de Ação com 30 objetivos.

Se a Conferência Mundial sobre Mudança do Clima da ONU pode receber algo de Belém, da Amazônia e do Brasil (para além de estrutura, logística e receptividade) é a imensa força de mobilização, resistência e resiliência. Nós somos banzeiro: a desordem das águas calmas, a força coletiva que rompe o silêncio imposto, movimenta o fundo dos rios e das estruturas e carrega, com fúria e memória, os corpos e as vozes que por séculos foram empurrados para as margens.

* Bruna Balbi é assessora jurídica da Terra de Direitos.

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