Quanto mais te agachas, mais te põem o pé em cima.
Quanto mais cedência, mais exigência.
(Provérbios populares portugueses)
- Anistia ou Sem Anistia? A negociação de um projeto de lei de compromisso entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal para diminuir as penas dos golpistas de 8 de janeiro é uma concessão que responde às pressões da extrema direita pela Anistia. O clamor por Sem Anistia não foi ouvido pelos parlamentares. Atrás destas bandeiras estão dois “blocos” sociais e políticas em choque, mas não são equivalentes. A triste, mas indisfarçável, realidade é que a esquerda não articulou a campanha pelo Sem anistia que era necessária. Ainda que no “chão” da sociedade se ouviu mais alto o grito pelo Sem Anistia, das salas de cinema aos grandes estádios repletos pelos shows de Caetano, Betânia e Gilberto Gil às ruas no dia 30 de março, nas redes sociais até a superestrutura das instituições – dos governadores do triângulo AP. RJ, MG mais Paraná e Goiás até à Câmara de Deputados – o que prevaleceu foi a campanha pela anistia, manipulando a condenação da “cabeleireira do batom”. Poderia ter sido diferente? Talvez, sim. A esquerda mais combativa tentou, no limite de suas forças, mas não era o bastante. Existiu uma oportunidade de tentar alterar a relação política de forças, e se perdeu. Os dois sujeitos políticos “ausentes”, o governo Lula e as Forças Armadas não são, evidentemente, inocentes. O Exército sinalizou que iria somente até um limite muito claro: aceitou Braga Netto em prisão especial. Já o silêncio cúmplice do governo Lula com esta manobra é grotesco: a aprovação de um projeto de lei que terá efeito retroativo é uma solução de compromisso que mantém o neofascismo, senão intacto, vivo e forte. Bolsonaro está, por enquanto, na UTI, mas o bolsonarismo não.
- Qual será o destino de Bolsonaro e dos oficiais-generais golpistas? O conflito político da conjuntura que contém máxima tensão é o julgamento da extrema direita. O “núcleo duro” centrão sofre, desde o início do ano, fortíssima pressão dos parlamentares bolsonaristas. Não deveria surpreender ninguém que tenham conseguido as assinaturas necessárias para a proposta de anistia. Hugo Motta sabe que, se fosse a voto na Câmara de Deputados, o desenlace poderia ser aprovação, desafiando, frontalmente, o STF. Na sequência, abre-se uma crise política institucional que obrigaria David Alcolumbre a mobilizar uma maioria forte para derrotá-lo no Senado. Os bolsonaristas adorariam este desfecho. A extrema direita é consciente que algum tipo de condenação dos líderes neofascistas é incontornável, mas buscam alguma redução de danos agitando a bandeira da dosimetria, ou seja, penas mais leves. A tática do governo Lula, que evita a qualquer custo um desgaste com as Forças Armadas tem sido a terceirização para o STF, deixando nas mãos de Alexandre de Moraes toda a responsabilidade. A questão de fundo é saber se haverá ou não, mais uma vez, impunidade e em que grau.
- O centrão vai decidir quem vai vencer em 2026? O governo Lula não quer confronto, porque trabalha para preservar a ampla aliança com o centrão, alimentando a ilusão de que, desde um primeiro turno de 2026, poderá atrair, senão uma maioria, pelo menos uma parcela significativa dos partidos burgueses. Não vai ser possível. A fração liberal da classe dominante mantém um pé no governo Lula e outro na oposição, fazendo denúncias e exigências. Esta ambiguidade não é confusão, hesitação, ou incerteza, mas cálculo. Sua estratégia em relação ao bolsonarismo e as eleições de 2026 se revela na relação com Tarcísio de Freitas. Em São Paulo não tem ambivalência nenhuma. Os grandes capitalistas apoiam a grande coalizão da direita liderada por Kassab, unindo o PSD/Progressistas/União Liberal/MDB com Tarcísio. Ninguém ignora que seja um governador de extrema direita, aliás, ele não tergiversa: mantém na secretaria de segurança o carrasco Derrite, mesmo depois operações de chacina, massacre, e carnificina em diferentes comunidades, e do assombroso episódio da celebração Ku Klux Klan de um batalhão da Polícia Militar. Exercem pressão para que Tarcísio assuma distância dos neofascistas, mas não exigem ruptura. Fazem uma aposta tática: uma candidatura ampla arrastando o bolsonarismo, se possível com apoio do próprio Bolsonaro. Mas assim como o centrão não deu ainda as costas para o governo Lula e rompeu a coalizão, Bolsonaro ainda não desistiu de ser candidato, e não sinalizou apoio para Tarcísio.
- O cálculo do governo Lula de “deixar com está para ver como é que fica” é perigosíssimo. A aposta do Planalto é que as entregas do governo serão suficientes para manter Lula na dianteira como favorito, e exercer uma força gravitacional de atração para dissidências do centrão. As pesquisas de avaliação de popularidade mais recentes indicam ligeira recuperação, e reforçam este otimismo. Trata-se de autoengano, e subestimação da extrema direita. Não aprendemos nada com o episódio do PIX de janeiro, e agora com a trapalhada dos descontos do INSS? Trump está na Casa Branca, e a evolução da situação internacional é imprevisível: pressões inflacionárias e recessão mundial sendo prováveis, o Brasil não estará imune e, provavelmente, o Banco Central vai pisar no freio. Nesse contexto é insensato arriscar tudo na disseminação de uma sensação de “bem-estar”, como em 2006 ou 2010, embalado pelo aumento do consumo. Além disso, será muito difícil enfrentar a “guerra cultural”. A disputa ideológica será inexorável. Mas não poderá ser improvisada. Não haverá tempo para um giro à esquerda do estilo “Dilma paixão e coragem” como em 2014. O Brasil de 2026 será muito diferente do de 2006. Bolsa-família, Vale gás, Minha Casa, Minha Vida, ou mesmo Pé de Meia não serão o bastante. O giro à esquerda deveria ser agora e já. De qualquer forma, as duas forças sociais e políticas mais fortes no Brasil ainda são o lulismo e o bolsonarismo. Uma candidatura de “terceira via” até pode ser ensaiada, mas não terá chance de chegar a um segundo turno.
- Enganam-se aqueles que, na esquerda radical, apostam na ultrapassagem do governo Lula pela esquerda. O governo Lula é uma frustração amarga em toda a linha. Mas defendê-lo diante dos neofascistas é “leninismo na veia”. A expectativa de que uma agitação de denúncias do governo Lula poderá conquistar simpatia não é somente insensata. Criticar políticas do governo é justo e legítimo. Mas ter como centro na prática uma estratégia de oposição de esquerda, desprezando a relação de forças, sem fazer o cálculo de que quem se beneficia é o bolsonarismo é imperdoável. O Brasil precisa de uma revolução, e um dia ela virá, porque a crise do capitalismo não vai diminuir. Mas os tempos da história não são os tempos da luta política. Anunciar a promessa revolucionária não é o bastante. Não há no horizonte social e político qualquer sinal de uma disposição de luta revolucionária da juventude e dos trabalhadores. Os Atos deste 1º de maio serão simbólicos. A expectativa que “do nada” poderá ocorrer uma explosão de protesto popular é, somente, desejo irrealista. Oxalá fosse provável, mas não é. Estamos em uma situação defensiva, e o desafio é sair dela. Um cálculo lúcido deve admitir que o perigo é que a extrema direita não só mantenha, nas eleições de 2026, as posições que conquistaram nos governos estaduais e no Congresso Nacional, mas que voltem ao poder nacional. Não há iminência de situação revolucionária. Há perigo real de derrota histórica de consequências devastadoras. Sem Lula e o PT não é possível evitar o pior. Precisamos ganhar tempo.