Macaco velho não põe pé em galho seco
Lobo velho não cai em armadilha.
Provérbios populares portugueses
1 – O Brasil vai sediar em novembro a COP30 em Belém. Será um evento de crucial luta política econômica, ambiental e política entre as potências imperialistas entre si e, também, com o mundo periférico sobre as regras de compensação de custos da transição energética. A descarbonização da economia mundial tem um custo enorme, e a questão central é saber quem vai pagar, e quem será beneficiado, ou seja, as regras de uma elementar justiça energética. Já seria um combate muito difícil em função da evolução reacionária da situação mundial e do impacto devastador dos eventos extremos provocados pelo aquecimento global. Mas tudo mudou desde a posse de Trump nos EUA, e a decisão de Washington de ruptura com o Tratado de Paris, alinhada aos interesses das petroleiras. Os EUA abraçam uma estratégia nacional imperialista em todos os terrenos, e cobiçam as imensas reservas na Groenlândia e Canadá, além do cerco ao Irã, e o golpismo na Venezuela.
2 – O desafio de descarbonização é uma emergência incontornável, mas não deve ser analisado, ingenuamente, nivelando a responsabilidade por igual entre todos os países. O mundo não tem governo mundial, mas a Tríade domina e os EUA são a maior potência. Países do centro do sistema têm responsabilidades maiores. Exploração de petróleo terá que ser reduzida e erradicada em função do aquecimento global. Mas não será um processo sem conflitos incontornáveis. Ainda assim, seria um contrassenso autorizar, simultaneamente à COP30, a prospecção preparatória da exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Mas seria, também, precipitado um anúncio de renúncia à exploração na Foz do Amazonas sem que haja um mínimo de previsibilidade da evolução das negociações na arena mundial. A melhor tática para o Brasil, na atual conjuntura de incerteza política, diante do agravamento das tensões entre EUA e China, e imprevisibilidade econômica no mercado mundial, parece ser esperar e ganhar tempo. Ter paciência, sangue frio e aguardar até que que fique mais clara a dinâmica das atuais turbulências.
3 – São cinco os mais poderosos argumentos contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas: (a) aumentar a produção de petróleo e derivados perpetua o consumo, e eleva o perigo de uma situação de não retorno no aquecimento global; (b) acidentes acontecem e seriam, provavelmente, irreparáveis por dificuldade de acesso, causando poluição da água e do solo, degradação de ecossistemas frágeis e danificação da biodiversidade; (c) o previsto rendimento de royalties poderia, talvez, ser útil para reduzir em alguma escala a pobreza na região, mas a contrapartida é que a experiência ensina que a indústria petroleira será a principal beneficiada, pela acumulação de lucros trilionários, e é improvável que a população local se beneficie dos empregos gerados; (d) o Brasil já tem reservas de petróleo provadas suficientes para garantir o próprio consumo de petróleo e derivados por, pelo menos, mais 12 anos; (e) as previsões disponíveis projetam um pico da demanda de combustíveis fósseis para até 2030, com posterior declínio, e um prognóstico de queda no preço do barril de petróleo e, se a prospecção na bacia da Foz do Amazonas fosse iniciada hoje, iria começar a produzir petróleo para um mercado em encolhimento.
4 – A esquerda brasileira não pode diminuir sua responsabilidade na luta para barrar a expansão da indústria petroleira, quando a ampliação do uso de combustíveis fósseis, em escala mundial, é o principal fator do aquecimento global, ainda que no Brasil sejam as queimadas, e exista um plano par reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 53% até 2030, zerar as emissões líquidas até 2050, aumentar a participação de energias renováveis na matriz energética para 50%, restaurar 18 milhões de hectares de florestas e recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas. O lugar do Brasil no mundo deve ser na vanguarda da luta contra o aquecimento global. Mas a esquerda brasileira não pode ser utópica. É necessário um realismo revolucionário na defesa dos interesses do país. A questão estratégica é o volume de recursos que os países centrais, herdeiros dos impérios que conquistaram o mundo nos últimos quinhentos anos, se comprometerão em transferir para um fundo de compensação aos países periféricos para que a transição energética seja, minimamente, justa.
5 – Não se sabe ainda com precisão a dimensão das reservas na Foz do Amazonas1, mas parecem ser muito importantes. O dilema colocado pela renúncia à exploração da Foz do Amazonas repousa em três fatores: (a) o Brasil deve proteger a soberania energética que conquistou, e diminuiu sua dependência externa de diferentes maneiras; (b) o petróleo é uma reserva de imenso valor para financiar o crescimento e desenvolvimento econômico; (c) não estão consolidadas garantias no sistema internacional de Estados para uma transição energética justa. O Brasil pode ser um exemplo mundial na luta ambiental por uma descarbonização emergencial renunciando à exploração na Foz do Amazonas, mas não de forma unilateral e incondicional. Justiça significa tratar desigualmente os desiguais. Se a regra for a mesma para todas as nações, a desigualdade se perpetuará. O Brasil está ainda na condição de uma semiperiferia do mercado mundial. Durante séculos foi uma colônia portuguesa, depois semicolônia inglesa e, finalmente, um país dependente, especializado na exportação de commodities. A maior parte da população é pobre, ainda que se tenha reduzido a miséria extrema. Há um dilema entre a necessidade de crescimento econômico e a necessidade de conter o aquecimento global. Em outras palavras, emergências sociais agora e já, e responsabilidades estratégicas diante das futuras gerações. Em resumo, o país pode renunciar à exploração de petróleo na Foz do amazonas, mas deve exigir compensações. A matriz energética do país já é uma das mais limpas do mundo, em função da produção da maior parte da energia elétrica de origem hidráulica e dá autoridade e legitimidade às exigências brasileiras.
*Valerio Arcary é professor de história aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo).
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
1 – O cálculo é que nessa reserva petrolífera haja em torno de 14 bilhões de barris de petróleo. Mas esta escala de reserva é apenas para este poço que a Petrobrás pretende aferir, o bloco FZA-M-59, a 175 km da costa brasileira. Estima-se que o potencial da Margem Equatorial Brasileira, do Amapá ao Rio Grande do Norte, possa ser de algo em torno de 30 bilhões de barris. Isso é menos de um terço dos 100 bilhões que as bacias de Santos e Campos ainda vão produzir, mas potencialmente, considerando-se um preço médio do barril a US$50,00 um valor de US$1,5 trilhão e, se o preço subir, com redução da produção, até US$100,00, até US$3 trilhões, ou um ano e meio do atual PIB brasileiro.